quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A expulsão de demônios verdadeira.

A Expulsão de Demônios Verdadeira (ENSAIO)
Por incrível que pareça não encontramos no mercado editorial bíblico nenhuma obra que trate deste assunto. Há muitas denominações evangélicas que vivem da expulsão de demônios, este passa a ser o centro do culto ou reunião, que impressiona os leigos e desavisados, fazendo-os pensar que estão diante de uma manifestação demoníaca que confere ao pastor que conduz a sessão de exorcismo, bem como a entrevista com o demônio, autoridade sobre os espíritos do mal. Pura conversa! Pura ilusão! Tapeação!
As hostes das trevas há muito estão enganando as pessoas, seja pastores, seja leigos, todos ignoram os ardis do diabo e seus anjos. E eu estou por aqui... com diabo e seus anjos. CHEGA!
A expulsão de demônio das seitas universal do reino de deus, deus é amor, internacional da graça e toda essa gama de seitas neopentecostais são inferiores aos da macumba e do espiritismo, que pelo menos fazem o exorcismo de graça, e sabem diagnosticar quando o problema é psíquico e não de ordem espiritual. Mas ao falar não pensem que estou dando apoio a esses outros exorcismos. De modo algum!
Este trabalho visa explicar com base nas Escrituras a verdadeira expulsão de demônio, que sempre glorifica a Jesus, sua obra, seu sacrifício, e não ao homem ou a alguma denominação interesseira.

A expulsão de demônios pelo Evangelho
A primeira coisa que devemos saber sobre a expulsão de demônios bíblica, e que desmascara de imediato os que vêm sendo praticado por muitas denominações, é que ele está diretamente vinculado a pregação do Evangelho, o contexto da passagem principal que trata na Bíblia sobre este assunto é muito clara, vejamo-la então:

“E disse-lhes (Jesus): Ide por todo mundo, e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado. E esses sinais acompanharão aos eu crerem: em meu nome expulsarão demônios; falarão novas línguas; pegarão em serpentes; e se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos e estes serão curados” (Marcos 16.15-18).

Assim, nota-se que o carro-chefe de tudo o que é dito nessa passagem é encabeçada pela pregação do Evangelho. A grande maioria dos atuais expulsões de demônios ignora a mensagem do Evangelho. E o qual é a mensagem do Evangelho? Trata-se da mensagem do perdão em Cristo que nos possibilita a recebermos o Espírito Santo, nos tornando em novas criaturas em Cristo Jesus (Ef 1.13; Rm 1.16; 1Co 1.17, 18, 21, 24, 30; 2.4; 6.11; 2Ts 2.13). Exatamente porque a expulsão de demônio verdadeira busca impossibilitar a volta do demônio, que segundo Jesus, piora a situação da vítima do demônio, já que ao voltar, o demônio vem mais com mais sete espíritos piores do que ele, como lê em Lucas 11.24-26:

“Ora, havendo o espírito imundo saído do homem, anda por lugares áridos, buscando repouso; e não o encontrando, diz: Voltarei para minha casa, donde saí. E chegando, acha-a varrida e adornada. Então vai, e leva consigo outros sete espíritos piores do que ele e, entrando, habitam ali; e o último estado desse homem vem a ser pior do que o primeiro”.

Portanto, se a expulsão de demônios não for definitiva, é melhor que não seja feita. E ela só será definitiva, isto é, sem possibilidade do demônio voltar, se o Evangelho for anunciado para que a pessoa receba o Espírito Santo que impossibilitará a entrada do demônio, já que Ele após entrar pelo Evangelho se apossará do nosso corpo até a volta de Cristo (Ef 1.13; Rm 8.), daí a Bíblia dizer que o crente no Evangelho é templo do Espírito Santo (1Co 6.17; 1Co 3.16), ou seja, o Espírito passará a ser o dono do nosso corpo, porque fomos comprados pelo sangue de Jesus (1Co 6.17, 18; 1Pe 1.18, 19), passando a ser propriedade exclusiva de Deus (1Pe 2.9; Tt 2.14), sendo a habitação do Espírito Santo a garantia dessa compra adquirida a ser plenamente efetivada na ressurreição (Ef 1.13; 4.30; Rm 8.23).
Jesus ao expulsar os demônios impossibilitava deles voltarem, lemos em Mc 9.25: “E Jesus, vendo que a multidão, correndo, se aglomerava, repreendeu o espírito imundo, dizendo: espírito mudo e surdo, eu te ordeno: sai dele, e nunca mais entres nele”. Porque sabia que a expulsão dos demônios deveria impossibilitar o retorno do espírito imundo.

Expulsando os demônios em nome de Jesus, e não pelo nome Jesus
É preciso se observar também que a maioria das atuais expulsões de demônios são feita usando o nome “Jesus”, por uma má compreensão do que o texto de Marcos 16.15-16 significa. Expulsar os demônios em nome de Jesus é fazê-lo na sua pessoa, ou seja, estando em comunhão com Ele pelo seu Espírito. Se alguém não tem o Espírito de Cristo não pode repelir verdadeiramente os demônios dos endemoniados. A frase “Eu de repreendo em nome de Jesus” apesar de glorificar a Cristo (Mc 9.38, 39), não significa que de fato houve verdadeiramente a expulsão dos demônios (Mt 7.22). Mas a verdadeira expulsão de demônios vem pela crente no Evangelho, o genuíno salvo, que tem o Espírito de Cristo habitando em seu coração. Pode-se até nem sequer mencionar a frase, porque na verdade a expulsão dos demônios é feita pela nossa vida em Cristo. É o crente em Jesus que repele os espíritos imundos. Observe que em At 28.3-6 Paulo é mordido por uma serpente e nada lhe acontece, sem que ele tenha invocado o nome de Jesus, como alguns pensam que o texto de Marcos 16.15-18 afirma. O mesmo ocorre na cura do coxo de At 14.9, 10, onde Paulo curou o homem sem citar o nome de Jesus.

A oração e o jejum na expulsão de demônios
O texto de Mt 17.19-21 registra que os discípulos, aproximando-se de Jesus em particular e perguntaram-lhe por que não puderam expulsar certo demônio de um rapaz, ao que Jesus respondeu que foi por causa da pouca fé dos discípulos, acrescentando que aquela “casta de demônios não se expulsa senão a força de oração e jejum”. No entanto, esse acréscimo não aparece nos mais antigos manuscritos do Novo Testamento grego. Nota-se que realmente a passagem fica confusa com esse acréscimo, ficando com duas respostas sobre o porquê dos discípulos não puder expulsar o demônio. Mas, partindo da minha antítese sobre os manuscritos gregos do Novo Testamento (ver antítese dos manuscritos do Novo Testamento grego), não julgo que o jejum seja de todo descartado na obra de libertação do poder das trevas. O jejum é um recurso próprio que o homem de Deus pode usar para sinalizar sua consagração a Deus. Jesus se consagrou ao seu ministério de modo único com os quarentas dias que ficou sem comer, era necessário essa consagração única porque Cristo iria comer e beber com os homens para melhor interagir com os homens ao contrário de João Batista (Mt 11.18,19), fez isso por sabedoria para mostrar que Deus de todos os modos tentou ajudar aqueles judeus orgulhosos a receberem o Evangelho. No caso, Jesus se humilhou dando a entender que era um homem sem disciplina e austeridade ministerial. Mas sabemos que Jesus era dedicado e esmerado no seu ministério. Sabia fazer a obra de Deus com sabedoria e critérios fixos, que quebrava apenas por seu amor ou por ver lições para a posteridade (Compare Mt 10.5, 6 com Mt 15.21-28).
O jejum único de Jesus serviu para capacitá-lo ao seu combate ao diabo e as forças das trevas. Recomendo a todo ministro de Cristo que jejum, de modo único, uma vez por mês, uma vez por ano, todo sexta-feira, enfim, o critério é Deus, na Pessoa do Espírito Santo, quem lhe dará (Rm 8.14).
O próprio Jesus não expulsava os demônios por seu próprio poder, já que por conta de sua encarnação Ele se esvaziou de seus atributos divinos (Fp 2.5). Em seu ministério terreno Jesus operava por meio do Espírito Santo (At 10.38), incluindo as expulsões de demônios (Mt 12.38), por conta disso, os discípulos também expulsavam os demônios durante o ministério terreno de Jesus por extensão de sua unção. Mas depois da ressurreição, Jesus recebeu todo o poder no Céu e na terra (Mt 28.20), tendo então repassado esse poder a sua igreja.
Obviamente que o incidente de Mt 17.14-21 que Jesus recomendou a oração e o jejum se deu nas fronteiras do Antigo e do Novo Testamento. Após sua morte e vitória na cruz Jesus repassou seu poder a sua Igreja, qualquer crente verdadeiro tem poder sobre todo o poder do inimigo, mas no quesito livre-arbítrio precisa trabalhar na intercessão, o que explico agora.

Sobre o jejum e a oração
Apesar de Jesus ter falado do jejum e oração para expulsar demônios antes do estabelecimento do Novo Testamento, que se deu em sua ressurreição. Creio que a oração e o jejum podem ser usadas sim para ajudar na expulsão de demônios, principalmente naqueles casos em que a pessoa que é endemoniada quer ser assim. Nestes casos, o demônio não pode ser expulso, já que Deus em respeito ao livre-arbítrio da pessoa não poderá livrá-la da influência maligna. Mas se outra pessoa, usando seu livre-arbítrio, orar em intercessão por esta que não quer se livrar do espírito maligno conseguirá que o livre-arbítrio da pessoa que não quer se livrar do demônio seja anulado pelo livre-arbítrio do intercessor.

CONTINUA

domingo, 25 de outubro de 2009

Os medicamentos à luz da Bíblia

Os Medicamentos à Luz da Bíblia

Escrito com todo carinho especialmente ao amado irmão Marcelo da igreja Batista Renovada Moriá.

Em Apocalipse 21.8 e 22.15 encontramos a palavra grega que foi traduzida por feiticeiro, que é fa,rmakoj (fármakos) origem da nossa palavra “farmácia". Esta palavra possui dois afluentes de derivação. Um, que é mais antigo, alude ao tempo no qual muitos dos medicamentos eram mais superstição e crendice que produtos cientificamente testados e efetivos. Rituais, passes, mantras, fogueiras, bruxarias e mágicas se valiam de misturas de coisas sem o menor critério experimental. Neste sentido é que fármakos é condenado na Bíblia. Coisas preconceituosas segundo a definição do dicionário de preconceito, que é “conceito ou opinião formado antes de ter os conhecimentos adequados, criando um tipo de superstição ou crendice desassociada da verdade, que gera ódio ou aversão a outras raças e religiões”.
A Bíblia é contra o preconceito, mas seus ensinos, por muitos considerados preconceituosos, não deixam de condenar as práticas dos homens que estão em desarmonia com a verdade de Deus contida em suas páginas.
Acredito piamente que muitas das doenças curadas por Jesus só foram realizadas porque não existiam naquela época os medicamentos que hoje nós dispomos.
A mulher do fluxo de sangue “havia padecido muito á mão de vários médicos, e despendido o que tinha, sem contudo nada aproveitar, pelo contrário, indo a pior” (Mc 5.26), mas porque os médicos não tinham de fato como curar aquela menstruação crônica. Se tivessem não seria necessário Jesus tê-la curada. Jesus mesmo disse “Não necessitam de médico os sãos, mas, sim, os doentes” (Mt 8.13).
Já em Gênesis encontramos quando Deus criou as plantas medicinais: “Ao homem disse (Deus): Porque deste ouvidos à voz da tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela, maldita é a terra por tua causa; em fatigas comerás dela todos os dias da tua vida. Ela produzirá também espinhos e abrolhos, e comerás das ervas do campo”. Observe que Deus criou por conta da queda de nossos primeiros pais os espinhos e os abrolhos, mas também as ervas do campo da qual diz Ele o homem necessitaria comer. Pois bem, essas ervas são as que hoje se usa para fazer os medicamentos.
Hoje repito muitas doenças não precisam mais de cura, visto que temos os medicamentos que a longo dos anos os homens, imagens de Deus, desenvolveram. Negar esses medicamentos é negar que o homem que Deus fez não é criativo e sua imagem. É verdade também que se Deus quiser curar, até febre, dor de dente, dor de cabeça, dor de barriga Ele o pode fazer, mas não seria muito coerente com o desenvolvimento do homem, previsto pela própria Bíblia (Dn 12.1, 2), mas se Ele quiser, e em momentos especiais, como em extrema pobreza daqueles que sequer podem comprar um analgésico, Ele agirá. Costumo dizer que é mais fácil Deus curar um cego de nascença hoje do que alguém com febre.
Na época de Jesus havia pessoas que sofria de epilepsia, chamadas na Bíblia de “lunáticos” (Mt 4.24), esses lunáticos não eram endemoniados como esse texto supracitado deixa claro quando distingue estes daqueles. Ora, nós sabemos que hoje existe um medicamentos específicos para conter a doença da epilepsia, assim como para ajudar as pessoas que sofrem de doenças psíquicas, como esquizofrenia, bipolar, etc. Todos que padecem dessas doenças devem se valer dos medicamentos indicados para o tratamento. Recusá-los é agir em desarmonia com o progresso natural do homem. É verdade que Deus pode curar totalmente todos que padecem dessas doenças, mas caso não se dê isso, seria falta de sabedoria e orgulho, querer recusar os medicamentos que Deus indiretamente criou.
Vale observar que a Bíblia revelando sua harmonia com o progresso diz que a cura das nações no futuro será por meio das folhas da árvore da vida, e não por milagres imediatos e surpreendentes (Ap 22.2).

Luiz Sousa em Cristo eternamente!

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A ética da sexualidade - parte 2

A Ética da Sexualidade – Parte 2
A morte, a “morte” e a obediência

O limite do combate ao pecado é a morte, segundo Hb 12.4. No caso do uso dos anticoncepcionais e da ligação de trompas a morte é muitas vezes posta como o último recurso de obediência, mas acho precipitado esse modo de argumentar, igualando os dois procedimentos. Não convence o espírito. Morte com morte se anula, mas subvida com morte há embate. Afinal de contas, como costumo argumentar, a mulher que faz ligação de trompas está enveredando por um tipo de pecado de morte física, já que, segundo 1Co 3.17: ‘aquele que destruir o tempo de Deus, Deus o destruirá’. Mas, se uma mulher está em risco de morrer se ficar grávida, e resolve se valer das pílulas “anti-concepção” vejo uma mal menor, que em meu conceito ético absolutista, que é o conceito anabatista, é válido até certo ponto. Seria um delito menor do que a ligação de trompas. Esta, no entanto, refiro-me a ligação de trompas, que é um aleijamento, uma destruição do corpo, é fatal e, decididamente, é um delito maior que o uso de anticoncepcionais.
Entendo que o uso dos anticoncepcionais é um delito,mas a ligação de trompas é pecado.
Esclareço que delito é diferente de pecado (Ver Ef 2.1). Delito é um passo em falso, e pecado é errar o alvo, ou seja, é claramente quebrar a doutrina ou os mandamentos de Deus.
A meu ver a mulher que se vale do uso de anticoncepcionais para evitar a morte – e julgo que tenho o Espírito de Cristo, e de glória (1Pe 4.14), ou seja, com disposição de morte para não cometer pecado – não peca de modo grosseiro, é um delito, tal qual o de Davi ao comer o pães da proposição, que não era lícito para ele comer, mas que foi permitido por Deus porque algo maior estava em jogo, no caso, a descendência de Jesus.
Mas destaco e ressalto: isso só válido para mulheres que de fato e verdade correm risco de vida, e se tiver plena convicção de que não está pecando (Rm 14.23), mas apenas cometendo um delito, um passo em falso.
Todavia, é bom que se diga que nós do Novo Testamento podemos ter acesso as manifestações espirituais do Espírito Santo, como a fé e a cura. Creio que estas manifestações (conhecidas por dons) podem muito bem ser usadas pela igreja para contornar essas dificuldades éticas. Em outras palavras, a mulher que corre risco de vida se não usar de anticoncepcionais, pode se livrar disso por meio da oração da fé e das manifestações do Espírito, em vez de se valer dessas pílulas, que como efeitos colaterais podem não só matar, mas gerar uma série de problemas que acarretarão numa subvida pelas doenças, como câncer, falta de apetite sexual (e a subsequente traição do marido), irritação e tudo mais que tem estragado a vida das mulheres do século 20 e 21.
Mulheres que fizeram ligação de trompas também podem suplicar a cura a Deus e talvez Ele, em sua bondade, possa conceder-lhes a cura do aleijamento.
Mas o consciente ou inconsciente (acho muito difícil ser inconsciente isso!) pecado de fazer a ligação de tropas é um convite a morte e subvida.
Quando a mulher entra na menopausa, quando não mais pode engravidar, e tem suas trompas ligadas a aceleração da morte aumenta. Neste caso, será inútil pedir a cura. Porque é um tipo de zombaria para com Deus, como um ladrão que é preso e chorando diz que está arrependido, mas seu choro não é de arrependimento, mas de tristeza pelas consequências dos seus atos. Se a mulher se arrepende da ligação de trompas depois que não pode mais engravidar é chantagem com Deus. E de Deus ninguém zomba, tudo que o homem plantar, ele vai colher (Gl 6.7).
Quando no título acima eu falo de uma morte entre aspas, quero dizer da morte da impossibilidade da obediência. O rei Saul perdeu tudo por sua desobediência a Deus. O pecado é mais grave do que possamos imaginar, é uma afronta ao nosso criador infinitamente mais sábio do que nós! Deus fez a mulher como cuidado, sabe que o melhor para ela é ter filhos, mas a ética da conveniência dos tempos modernos tem feito as pessoa discordarem de Deus, é lamentável. Mil vezes lamentável! Lamentável até a eternidade!!! Lastimoso e choroso até o mais absurdo exagero, já que as palavras me fogem para descrever a ênfase do que desejo fazer.
Hoje as pessoas se medem pelo que tem, e não pelo que são em Cristo. Vivemos a época das conveniências, mas Deus não é deus de conveniências. Deus é o Deus do agora ou nunca. Ou você está com Ele ou não. Ou morre com Ele como um verdadeiro anabatista ou não. Ou é seu Filho ou não! Jesus disse quem comigo não une, divide (tradução direta do original grego).
Quando um homem está velho, sem mais libido sexual, e resolve deixar sua amante, estará “morto” para a obediência. Mas se ele decide deixar sua amante com todo o fogo do desejo sexual, Deus lhe dará graça, e será uma bênção, e um exemplo para muitos.
Muitos têm argumentado comigo usando o texto de At 17.30 e para esclarecê-lo me utilizo do texto da apostila do ensino da Soteriologia do Ceta (Centro de Ensino Theológico Anabatista):

Esclarecendo o texto de Atos 17.30.
O texto acima citado registra: “mas Deus, não levando em conta os tempos da ignorância, manda agora que todos os homens em todo lugar se arrependam”. Alicerçados nesse texto, alguns acham que os pecados cometidos antes de suas conversões devem ser desconsiderados. Alegam, por exemplo, que divórcios, adultérios, assassinatos e crimes que deixam sequelas sociais, foram todos perdoados e por isso não devem ser levados em conta depois que nos convertemos. Quem pensa dessa forma demonstra que não entende o que significa o perdão no cristianismo. Na cruz, Jesus recebeu o castigo da separação de Deus que nossos pecados nos trariam (Mt 27.46 comp. com Mt 7.23; Rm 6.24), quem nEle crer está livre da condenação da morte eterna; no entanto, as consequências dos nossos pecados não foram anuladas. Mesmo depois de perdoado e salvo, Paulo ainda sentia as consequências de sua perseguição à igreja (1Co 15.9). O Senhor Jesus ficará com as cicatrizes de seu sacrifício por nossos pecados para toda a eternidade.
Na verdade o texto de At 17.30 não está dizendo que Deus não leva em conta o pecado dos homens, mas que não leva em conta os tempos da ignorância para conceder-lhes o direito ao arrependimento, pois tanto a fé como o arrependimento para a salvação são concessões amorosas de Deus para os judeus e posteriormente aos gentios (At 3.31; 11.18; 13.46-48; 14.27; Fp 1.29; Tt 2.11, 12). Se o texto de At 17.30 estivesse dizendo que Deus não levaria em conta o que os homens fazem porque não sabiam plenamente a verdade, os gentios antes de Cristo não seriam condenados, seria muito melhor Jesus nunca ter vindo para salvar os homens, bastaria deixá-los na ignorância do Evangelho. E o que dizer da revelação natural da justiça de Deus, citada por Paulo na carta aos romanos, quando diz que a ira de Deus se manifesta contra o pecado, e que seus atributos invisíveis que tornam os homens indesculpáveis em suas impiedades, maldades e idolatrias (Rm 1.18-32)? Não faria sentido. O texto de Rm 2.12-16 também deixa claro que todos os que pecaram, com ou sem a lei, serão julgados por seus pecados. Os que não tinham a lei de Moisés revelavam a lei escrita em seus corações, testificando juntamente suas consciências e pensamentos, quer acusando-os ou defendendo-os. Portanto, o texto de At 17.30 não está dizendo que Deus ignora os pecados dos homens que desconhecem as normas e ensinos contidos em sua palavra escrita.

Espero ter sido útil àqueles que amam a verdade. Diante de Deus: Luiz Sousa em Cristo eternamente!

Apologia do anabatismo passivo e ativo e crítica do anabatismo morno

A apologia do anabatismo ativo e passivo e os mornos.
O anabatismo passivo como se vê na igreja de Deus em Cristo menonita é por mim considerado adequado até certo ponto. Explico: Caso alguém deseje se filiar a esta igreja para viver um refrigério terreno, um refúgio cristão, neste mundo tenebroso não há nada de errado. Nos períodos de carnaval alguns crentes fazem retiros espirituais, enquanto outros evangelizam os carnavalescos. Portanto, são atitudes válidas e perfeitamente aceitáveis.
O anabatismo ativo como é praticado por alguns irmãos da igreja batista renovada moriá, que partem para a guerra espiritual, combatendo o pecado,o mundo e o diabo é o outro lado da vida cristã.
O meio-termo dessas duas atitudes é que não é recomendável. Crentes que nem são ativos ou passivos. Estes vendem suas almas aos empregos, à cultura, ao turismo, a comodidade, às diversões e as coisas do mundo. São crentes mundanos. Ouvintes de pregação. Que não se dão a obra de Deus. Nem sequer ajudam financeiramente. São plateia ou expectadores que me irritam quando vêm me elogiar ou estimular à viver as guerras do Senhor. Não preciso disso! Sei meu caminho e meus encargos na vida cristã.
Nada contra aos irmãos que querem viver uma vida acadêmica. Mas será que é isso que Deus quer de você, meu irmão?!?
Eu pessoalmente sou dado ao estudo, sinto-me bem no mundo acadêmico e esse também sente minha falta. Tenho talentos natos para as ciências humanas. Mas contrariando minha própria natureza e dons preferi os pobres e carentes intelectualmente para me dar como ministro do Evangelho de Jesus Cristo. Apesar de uma larga bagagem filológica, ainda prefiro palavras simples, do povão, para melhor ser entendido. Às vezes fico triste pela falta de meus pares ou como dizia na época de criança de pessoas do meu TOP. Mas não me desespero sempre tenho alguém de peso para conversar vez por outra, e meu Deus me supre nessas carências por meio da oração profunda.
Para e reflita: Será que a faculdade é o que Deus deseja de você? Será que o casamento é o plano de Deus melhor para tua vida? Não seria hora de renunciar tudo e ir para o interior do Ceará e fazer a obra que Deus quer que você faça?
Reflita, ore, seja sincero. Sacrifique sua carreira se assim for o melhor para Deus. Não busque o melhor para você. Vá no altar de moriá e sacrifique seu “Isaque”. E seja ou um crente passivo de qualidade ou um ativo, o que não dá é para ser o que você é: um nada diante de Deus, um morno.

Luiz Sousa em Cristo Eternamente!

Silas Mala Falha

O Silas Mala “Falha”

Que Silas Mala faia é evangelista é inegável, assim como acho também que o Sílvio Santos também tenha esse dom de Deus, apenas não se ligou ao Evangelho para que tal talento fosse usado da forma que Deus propôs deste a eternidade. Que Silas Mala faia é um grande líder da igreja Assembleia de Deus no Brasil é outra verdade indiscutível. Que esta igreja é fruto do maior avivamento espiritual de todos os tempos eu sempre disse e repito. Mas infelizmente as Assembleias de Deus estão a se desviar do caminho de glória que Jesus sempre quis que esta denominação andasse, e a culpa é dos líderes, dos pastores! E agora especificamente deste ícone dessa denominação.

Silas Mala faia só pensa em crescer, crescer, sem se importar com a qualidade. Seus livros são muitos, mas são fracos, sem unção, graça e poder. Assim como o era dos do euCAIO Fábio, o anjo caído, como ele mesmo se definiu quando o diabo cobrou a sua parte da negociata. Saiba Silas Mala faia e seus fãs, que Deus cobrará de você a sua negociata com o diabo.

O diabo já me ofereceu a fama, a glória e o prestígio. Mas recusei, assim como fez meu Senhor Jesus. Sou profeta de Deus, não tenho etiqueta de venda na minha testa. Hoje poderia ser um grande líder, um famoso pregador e ensinador das assembléias de Deus no Brasil, uma lenda e rico. Mas me recusei para ser tranquilo em minha consciência. Hoje sou um crente comum, sem pompas, títulos, amigos importantes, desconhecido, pobre, e ainda muito odiado. Mas sou servo de Deus! Sou tranquilo e feliz. Não tenho nada a perder, tendo tudo.

A última bobagem e heresia foi dizer que em 1Pe 3.3 o “não seja o enfeite das mulheres o exterior” não quer dizer uma ordem,mas uma concessão, fazendo uma ênfase invertida em “não seja”. Esse tipo de ênfase quase não existe nas Escrituras, é anacrônica e de péssima exegese e desastrosa hermenêutica.

Em grego o tempo do verbo é o imperativo, e, portanto, trata-se inescapavelmente de uma ordem, um mandamento. Está também enfatizada, não enfraquecidamente, mas naturalmente.

O que esse homem fez é um descalabro interpretativo, um estupro da Bíblia, como gostam alguns de dizer.

Ao usar o tom de voz para interpretar o texto, Silas Mala faia incrivelmente (eu diria até sob inspiração demoníaca) consegue enfraquecer a ordenança bíblica exclusiva das mulheres cristã. Em Gálatas, Paulo usa o tom de voz aberta e claramente para apontar sua indignação (Gl 4.20). Mas tom de voz enfraquecido como se vê em Jesus em Mt 15.26, quando usou o diminutivo de cachorro para não afrontar a mulher Cananeia nem de longe ocorre em 1Pe 3.3.

Silas Malafaia falhou e feio em sua pregação. Levou multidões de assembleianos ao mundanismo e só a eternidade revelará o estrago que ele fez. Lamento por ele, mas muito mais pelos irmãos que foram mal orientados.

Sobre a questão de que os irmãos devem chamar seus maridos de “senhor” outra falha interpretativa se dá. E praticamente o inverso da primeira. No texto, a ênfase recai na obediência de Sara a Abraão. Ou seja, a Bíblia está ilustrando que Sara foi tão obediente ao ponto de chamar Abraão de seu senhor, não que as irmãs devam assim chamar seus maridos. Mas é visível que Silas Mala faia usa do preconceito machista para persuadir seus ouvintes.

É triste ver alguém tão fora do prumo da Palavra de Deus, um vendido ao mundo. Esse logo, logo vai ser corrigido por Deus, caso de fato seja seu filho. Se não, é esperar para o diabo derrubá-lo e com ele um monte de fãs cegos.

Luiz Sousa em Cristo eternamente.

Centro de Ensino Theológico Anabatista

REINÍCIO DO CURSO DE THEOLOGIA APROVADO PELO MARTÍRIO DOS ANTIGOS SANTOS

O Centro de Ensino Theológico Anabatista (CETA), filiado à AMEC, surge para preparar os crentes e os obreiros cristãos para o desenvolvimento do conhecimento nas esferas da teologia, cultura e saber geral, dentro da posição moral e ética dos Anabatistas, em que a praticidade da obediência aos ensinos bíblicos é o foco central, e não o status de bacharel ou coisa parecida, sem no entanto nada ficar a dever a qualquer PHD em teologia que possa existir.

Todo crente ou religioso poderá participar, não haverá discriminação de fé ou posição religiosa.

Nosso empenho será em obter a excelência no conhecimento religioso e teológico, tendo como diferencial a posição anabatista, de radicalismo e fidelidade à ética absolutista, em que preferimos morrer para não pecar contra nosso Deus.

As aulas ocorrerão às Segundas-Feiras, às 19.00 horas, na capela da igreja Batista Renovada Moriá na comunidade Pôr-do-Sol – rua Zubi, 381. Data: 09.11.10
Referências de localização: Depois do Terminal de ônibus de Mesejana.
Telefone para informações 8756-5964 (Luiz Sousa).

O CETA não terá fins lucrativos. Buscar-se-á com ele um encontro de troca de conhecimentos e incentivo ao estudo a todos os cristãos que, desejam se aprofundar na Bíblia, na teologia e nas ciências da Religião com certificação testemunhal, mas que não dispõem de condições de pagar as mensalidades dos seminários e instituições religiosas.

Inicialmente estaremos abordando o assunto da SOTERIOLOGIA (ensinos da salvação) sob a ótica dos anabatistas e depois estudaremos pelas diversas posições religiosas (protestantes, católicas e das demais seitas). E assim se dará com todas as matérias dos seminários, todos os assuntos por eles abordados e estudados serão vistos pela simplicidade dos anabatistas e depois na visão da teologia hodierna. Por isso dizermos que nosso curso possui o diferencial dos anabatistas, considerados os remanescentes históricos da igreja primitiva.

Cada módulo de ensino será computado na grade geral do curso para o aluno obter no final um certificado da AMEC em testemunho de seu saber e aprendizado.

Haverá também o certificado de leitura bíblica e de leitura cultural. Já que todo Theólogo do CETA se verá obrigado a ser um leitor genuíno da Bíblia e de obras profundas. Não se concebe que alguém se intitule bacharel em teologia sem ter lido a Bíblia pelo menos umas sete (7) vezes, vivendo continuamente nesse santo hábito imprescindível para um verdadeiro professor/estudante e cumpridor da Bíblia.

O CETA também realizará debates e palestras sobre questões éticas e bíblicas com respeito e franqueza.

Os questionários das lições estão disponibilizados no SITE da Igreja Batista Renovada Moriá



DEBATES PARA 2010:
· O crente pode usar armas de fogo, sendo vigilante ou militar?
· Pastor pode ser divorciado?
· Existe mulher-pastor?
· As seitas neopentecostais (universal, internacional, mundial, deus é amor, monte dos profetas...) são igrejas ou aberrações eclesiásticas?
· Existe rock, samba, pagode, pop... evangélico???
· O Evangelho e seu lado condenatório (desengando os incrédulos e os falsos crentes).
· Os principados do diabo nas falsas denominações evangélicas – a grande batalha espiritual do século 21.


“Quem sempre estuda parece que sabe pouco!” L.S.

sábado, 3 de outubro de 2009

Comentários sobre a escatologia

A INSIGNIFICÂNCIA E IMPORTÂNCIA DA THEOLOGIA
NA VISÃO DO CETA (Centro Ensino Theológico Anabatista)

A Theologia Bíblica em um segundo:
“A Theologia é praticamente uma ilusão. Quando alguém morre, ele já vai para a eternidade, seja com Deus ou separado dEle. A estada no inferno ou no céu, o arrebatamento da igreja, a grande tribulação, o tribunal de Cristo, o milênio, o juízo do trono branco, e toda essa cronologia bíblica ortodoxa dos acontecimentos escatológicos, tudo isso ocorrerá em uma fração de segundo depois que nós morrermos. É tão rápido, tão rápido, que é praticamente desprezível. Toda a ortodoxia teológica e tudo mais das verdades da Bíblia só servem para este mundo temporal, para nos nortear em nossa vida terrena. No final das contas, tudo isso pouco importará após o décimo de segundo depois que nós morrermos, no final de tudo o que importa é se você se arrependeu e creu em Jesus, mas essas duas coisas, que são uma, precisam serem confirmadas pelo ensino global das Escrituras, o que mostra o quão é importante estudarmos a Theologia para estarmos seguros de nossa fé”. Mestre Luduvicus A. O. Sousius, 27.08.08.

A Theologia Bíblica em vários anos:
“A Theologia precisa ser estudada por causa da verdade sagrada global que sustenta nossa fé, existe várias posições interpretativas que devem ser conhecidas e comparadas com aquela que nosso centro teológico abraça, não para criar confusão ou embates intermináveis, mas para defender e mostrar que há uma harmonia no nosso sistema interpretativo, que é o dos anabatistas, com o sistema de fé estabelecido na Bíblia. Por outro lado, aquilo que se mostrar digno de aceitação das outras posições interpretativas precisam ser computadas em nossa compreensão dos vários pontos da doutrina cristã que não estão bem esclarecidas. Isso exige anos de leitura, estudo, meditação, comparações e conferências entre os sinceros estudantes da Bíblia, juntamente com a igreja em sua simplicidade espiritual até que possamos ter uma resposta satisfatória para darmos a todos que pedirem razão da esperança que há em nós, como disseram os Apóstolos Paulo e Pedro (Cl 4.6; 1Pe 3.15). Todo o theológo que se formar no CETA (Centro de Ensino Theológico Anabatista) estará pronto para se posicionar de modo consciente na posição interpretativa que mais se aproxima da Bíblia, por isso que nosso centro pode se orgulhar de realmente ter ao mesmo tempo uma posição neutra e parcial na teologia, já que nossos estudos e pesquisas não descartarão nenhuma posição interpretativa, mas sempre se norteará por aquela que para nós sempre se apresentou como a verdadeira”. Luiz Sousa, servo de Deus.

Participe do CETA (Centro de Estudo Theológico Anabatista), na capela da igreja batista renovada moría em Caça e Pesca. Rua Acaraú, sem número. Referências de localização: No final da linha 52, entrar pela rua direita (Umaitá) até a comunidade Beira-rio. Telefone para informações 8756.59654 (Luiz Sousa).

livro Telefone de Luiz Sousa

TELEFONE







LUIZ SOUSA







































DEDICATÓRIA

Para Antônio, simplesmente meu maior amigo.
In Memorian.

Para aquela geração do final da década de oitenta.

E para você.






































INTRODUÇÃO

“Telefone, o livro, é a Máquina do Tempo que Deus me deu para vir do passado ajudar vocês. É a conexão entre a década de 80 e o início do século 21, usada para fazer o presente de vocês ser o início de um futuro de sucesso.”

Mensagem para os alunos do Justiniano de Serpa em 18.10.02.



“A melhor maneira de se parar um carro desgovernado em alta velocidade sem destruí-lo é estando dentro dele. A única maneira de fazer os alunos dirigir bem suas vidas estudantis é conscientizá-los das responsabilidades, das dificuldades do mundo lá fora, da urgência de se começar agora a estudar, mas estudar mesmo, por conta própria, por esforço individual, sem esperar por leis, políticos ou por uma milagrosa melhoria na educação pública. O aluno dizendo a si mesmo para frear a sua vida displicente e vazia, é o segredo da sua vitória e ninguém melhor do que ele mesmo para dizer isso a si, ninguém!”

Mensagem para a direção do Colégio Justiniano de Serpa, em 27.09.02.


Shaolin, em algum lugar do passado de 2008.
.





















PREFÁCIO
ESPELHOS DE POESIA NUM CONTO ESTUDANTIL
Qual a classificação deste livro? Por seu tamanho e forma se encaixa mais na categoria de conto, mas é muito mais do que isso em sua mensagem, não sei dizer se é uma autobiografia ou um romance. Se é um livro de poesias ou de crônicas? Se é uma ficção ou uma história real? Para mim é a pura alegria de escrever olhando para o espelho (retrovisor e auto-visor), um balanço reflexivo sobre a metade de minha vida, uma desavergonhada declaração de egolatria ou se preferirem, “vidolatria”, que para ganhar beleza se vale de vários recursos literários. Uma literatura em forma de conto que desperta nossos sentidos para desfrutar a maravilha que a palavra escrita pode liberar e despertar. Uma diversão em forma de palavras, no ato de escrever e de ler.
Sempre achei o poeta um exagerado, ele busca melhorar o que já é bom, ou o contrário, só para ser visto, e neste livro, tenho de admitir para calar os futuros críticos: Faço isso!
E sabe de uma coisa, eu quero que meus críticos procurem plantar batatas!1, eu não estou nem aí para vocês – pego-me na mentira, se isso que acabei de dizer fosse verdade, esse trecho sequer existiria; é melhor eu parar aqui, se não me perderei em autocríticas de autocríticas.
O mal de quem teima em prefaciar seus próprios livros é que não podemos dizer: t’aqui um livro bom! Sensacional! Espetacular! Magnânimo! Digno de ser premiado! O canto do cisne provisório!2. Espero que seja útil, é meu sincero desejo, porque a realização nele eu já obtive, agora sinto-me livre de ficar contando e recontando essas histórias para mim mesmo em minhas meditações, escrever este livro para mim foi isso: libertar-me das memórias mentais; agora que estão no papel, não sinto mais vontade de nostalgiar, que tira um tempão da gente, um tempão.

Luiz Sousa

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1 “Vá plantar batata!” é o maior palavrão usado pelo autor, que acha palavras torpes inúteis para liberar a raiva, prefere um Kiai (grito das artes marciais – IÁAA!!!) bem dado.
2 Estou dizendo! Rá, rá ,rá!


















Parte 1
UM AMOR ESTUDANTIL
Minhas expectativas para o início do 2° grau eram enormes. Estava triste por talvez nunca mais encontrar meus amigos do Colégio de Primeiro Grau Presidente Médici, mas tinha uma vontade grande de avançar no conhecimento, queria entender sobre o mundo dos átomos, a teoria da relatividade, a genética, saber a verdade sobre a história e tudo mais que o ensino do primeiro grau tinha deixado a desejar e que a ficção-científica e a mitologia dos gibis tinha despertado em mim. Passadas as dificuldades de matrícula, meu anseio só era conhecer novos amigos e adentrar no ensino do 2° grau. Sendo pobre, minhas opções para o 2° grau seriam os Colégios públicos, os dois mais conhecidos de Fortaleza, minha cidade, eram o Liceu e o Justiniano De Serpa, como já tinha amigos que estudavam no Justiniano, além dele ser mais cômodo em matéria de acesso (para ir ao Liceu eu teria de andar vários quarteirões), o Justiniano de Serpa foi a minha escolha.
Comecei a perceber a Socorro logo nos primeiros dias de aula, sei disso porquê quando meus novos colegas comentavam sobre as meninas mais bonitas da sala, seu nome foi citado por um aluno visivelmente interessado nela, lembro-me que naquele instante, eu já fiquei considerando o Cara um rival, só não fiquei mais preocupado porque julguei que ele não era páreo para mim, além disso a Socorro era muito alta, o único na sala que tinha uma altura compatível com a dela era eu.
Minha primeira sala ficava no final do lado esquerdo do corredor superior do prédio antigo do Colégio, mas depois tivemos de ir para outra sala, na parte inferior do lado direito do mesmo prédio antigo. A aparência da segunda sala não nos foi tão agradável, sendo ela alguns centímetros abaixo do nível do corredor e tendo grades nas janelas que apontavam para a praça do Colégio, brincamos que aquela sala deveria ter sido algum porão de escravos do século XIX. Mas foi ali que meu romance inesquecível com a Socorro brotou e se desenvolveu de modo sutil e demorado. Demorei seis meses para tê-la em meus braços, seis meses, e muito graças a ela. Como eu era tímido!
O modo que comecei a me soltar para conquistá-la foi provocando briguinhas entre nós. Ela era fanzona do grupo infanto-juvenil Menudo, por isso para chamar sua atenção, eu comecei a criticar esse grupo musical, sendo que na verdade, eu gostava muito do Menudo, já que no Primeiro Grau, eu fiz muito sucesso com as pré-adolescentes que me achavam parecido com um dos garotos que compunham o grupo.
Com o tempo, começamos a escrever em nossos braços de caneta esferográfica nossos nomes, quando vi que meu rabisco tinha durado mais de dois dias em seu braço, eu fiquei eufórico e certo que a Socorro estava gostando de mim, mas diante dos outros alunos, eu continuava criticando os Menudos, em parte para disfarçar e em parte porque estava irritado mesmo com aquela paixão dela pelo grupo, mais ainda porque o garoto que ela gostava do conjunto, não era o que parecia comigo.
Os dias foram correndo e logo estávamos no meio do ano e nos últimos dias que antecipavam as férias, a turma tinha combinado que iríamos todos juntos tomar um sorvete na Volta da Jurema no último dia de aula. Não queiram vocês saber o quanto eu desejei ir bem vestido para aquele passeio, mas eu não tinha quase roupas, tamanha era a precariedade em que meu pai me colocou com suas economias de Tio Patinhas. Com muita vergonha e com um enorme esforço fui com a farda do Colégio, dando uma de esquecido do passeio ou displicente. Mas essa minha ansiedade foi em parte esquecida quando vi as meninas da sala empurrando a encabulada Socorro para entrar na classe, ela estava toda produzida, lindíssima, maravilhosa, num vestido branco deslumbrante, corajosamente dizendo pela atitude que gostava de mim, pois não teve ninguém que não percebesse que ela estava toda linda para mim. Fiquei sem jeito, alegre, meio envergonhado por não estar à altura, mas com certeza admirado, ela estava como a Júlia Roberts no filme “Uma Linda Mulher”, na cena onde a personagem completamente produzida se vinga das vendedoras que não quiseram atendê-la por ela está mal vestida na primeira vez que tentou comprar roupas novas, tendo ao fundo aquela música sensacional. Sim, a Socorro estava linda, jamais esquecerei o brilho angelical que irradiou dela naquele dia.
O poema “Novinha”, que era o apelido familiar da Socorro, traduz de forma fiel e sucinta aquele primeiro e mágico encontro que tivemos, o compus num momento de vívida lembrança, grande saudade e inspiração. Para não ser desviado da realidade evitei a rima, por isso o transcrevo aqui:

NOVINHA

Junho de 1987.
A turma combinara uma volta na Volta para um sorvete.
Despedida para as férias.
Você... belíssima só para mim.
Todos se dissipam. Eu e você.
Mãos dadas, caminhamos sem rumo.
Sentados olhando para o mar.
Você a minha esquerda.
Emoção e expectativas sensacionais.
O beijo veio doce e maravilhoso.
Mais tranqüilos e seguros ficamos abraçados
desfrutando o que tanto queríamos.
Momentos inesquecíveis...que evocaram o meu “Te amo!”,
desacreditado por ti, mas o valor
dele estava na minha sinceridade;
e como já disse, não o deixei guardado, disse-o e sou feliz por isso.
Ah, Novinha querida, fostes muito importante para minha vida,
deste romance e lembranças para um jovem!
Jamais te esquecerei,
mesmo achando com pesar que tua afeição foi bem
pequena por mim, lamento totalmente descartado para você,
pois jamais te amarão, como fez meu coração. (30.07.97)


“Este mundo tem apenas um doce momento reservado para nós”, Queen, ver o filme Highlander, o guerreiro imortal.
Passadas as férias, voltamos às aulas como se nada tivesse acontecido; como fomos imaturos e bobos, preocupados com os demais, com vergonha de nos declararmos publicamente como namorados e assumirmos o romance.
Houve apenas mais duas oportunidades que nos encontramos, na última fiz a maior bobagem de minha vida e cancelei em definitivo toda a chance de amadurecermos aquele relacionamento tímido.
Naquele dia, eu não estava bem, estava meio adoentado e enfrentando muitos problemas em casa, depois da única vez que dançamos numa festinha improvisada no pátio do Colégio, saímos para uma pracinha, onde aconteceu a tragédia.
No momento em que estávamos abraçados, me deu não sei o quê e comecei a dizer coisas horríveis para ela, disse que a julgava muito alta, que não era meu tipo e cheguei a dizer que ela não cheirava bem. Meu Deus!! O que eu fiz?! Devo ter arrasado a Socorro e o estigma desta bobagem eu carrego até hoje em efervescente amargurosa dor. Dizer que fiz isso agora parece até falta de originalidade para explicar o fim de um romance imaginário, mas acreditem, eu disse essa estupidez.
Este nosso último encontro ocorreu no final de 1987, passei as férias pensando e me preparando para consertar a bobagem que fizera, mas a Socorro acabou não sendo aprovada para o 2° ano, assim não mais pudemos estudar juntos, e isto, aliado a dificuldade da situação e a minha terrível timidez, pôs fim a qualquer tentativa de reatar o romance. Mas sempre torcia por uma chance para consertar as coisas; só pensava nela, não houve um dia nos anos de 1988 e 1989 que eu não a procurasse com meus olhos nos momentos dos intervalos das aulas. Foi nesse tempo que eu comecei a escrever poemas. E aqui conto a continuação surpreendente desse romance, tendo o cuidado de fazer no caminho vários flash back (olhadas para o passado) daquele período, contando em antologias um pouco daquela época.


JUSTINIANO DE SERPA
O Colégio Estadual Justiniano de Serpa, situado na Praça Filgueiras de Melo, tem como gênese a Escola Normal, cuja criação foi idealizada pelo então Presidente da Província José Martiniano de Alencar (pai do escritor José de Alencar), através da lei 91, de 5 de outubro de 1837. Porém, somente em 22 de março de 1884, foi inaugurado a Escola Normal, tendo como Presidente Dr. Sátiro de Oliveira Dias.
A citada instituição foi construída na Praça Marques de Herval (hoje Praça José de Alencar), com a proposta pedagógica para formação da docência sendo a primeira escola secundária do Ceará com essa meta.
Em 1918, mudou-se para o Palacete da Fênix Caixeiral situado na Rua Guilherme Rocha com Rua 24 de Maio (na época Rua Municipal). Retornou ao primeiro prédio em 1919.
Em 1922, no governo do Presidente da Província José Justiniano de Serpa, foi iniciado a construção do atual prédio, sob a responsabilidade de José Gonsalves da Justa com linha arquitetônica inspirada em colégios da Suíça da época.
A inauguração da nova estrutura física da Escola se deu em 23 de dezembro de 1923 no governo de Idelfonso Albano.
Até os nossos dias, recebeu além da denominação de Escola Normal as que se seguem com as seguintes leis:
· Escola Normal Pedro II, lei 2260, de 28 de agosto de 1925;
· Escola Normal Justiniano de Serpa, decreto n° 122 de 2 de março de 1938;
· Instituto de Educação, decreto n° 1.503 de 6 de janeiro de 1952;
· Colégio Estadual de Fortaleza pela lei 473 de 15 de março de 1960;
· Colégio Estadual Justiniano de Serpa pela lei 5.427 de janeiro de 1961.
Partindo do início desde a Escola Normal até o atual momento, o colégio teve 35 diretores. Dentre eles, a famosa jornalista Adísia Sá.
Até pouco tempo (2004) o Colégio Estadual Justiniano de Serpa, funciona com o curso Médio em três turnos: matutino, vespertino e noturno, atendendo a lei 9394/96 de dezembro de 1996 enfatizando o nível de ensino de Educação Geral com a pretensão da formação do cidadão consciente e atuante numa sociedade em processo constante de formação. Hoje já possui o regime de tempo integral, em que os estudantes do primeiro e segundo ano passam o dia inteiro o colégio, tendo direito as refeições.
Estudei no Justiniano de Serpa de 1987 a 1989, período que correspondeu ao auge da minha adolescência, que abrangeu os meus quatro principais teens: sixteen, seventeen, eighteen e nineteen (16-19 anos). Foi a fase de decadência do Colégio, iniciada logo que os militares deixaram o poder em meados da década de oitenta, tendo assumido o governo do Estado um empresário que levou a educação pública à falência. As turmas eram pequenas, no máximo tinham 20 alunos, no entanto, pelo lado de fora do Colégio, criava-se a ilusão que havia uma demanda, e o temor que muitos estudantes que terminariam o primeiro grau pudessem ficar sem estudar por causa do suposto limite de vagas era passado descaradamente, não passando de propaganda para salvaguardar o ensino médio público destruído. Apesar do hino oficial do Colégio rezar:

I
Estudar é o dever de todos nós,
nosso lema comum, nosso ideal,
pelo bem do Brasil, Pátria querida,
seja o livro o nosso fã perenal.
Colégio Justiniano de Serpa.
Santuário de estudo e de ação,
recebe a nossa homenagem
nascida do coração.
Letra de José Waldevino de Carvalho.
Música de José Maria da Silva.
II
No trabalho diário do Colégio
queríamos mais saber
fanal que encerra.
Primazia sublime glória suma
Que com maior não há na terra.

Se algum aluno cantasse isso no meu tempo seria vaiado sem piedade.
Prefiro a paródia, que fiz, acreditem, em lágrimas, do hino nacional:

Ouviram da piscina às margens sórdidas
De um povo pobre o brado suplicante.
E o sol da precariedade, em raios lúgubres, ofuscou o céu do pátio nesse instante.

Se o penhor da desigualdade
o Governo o mantém com braço forte,
Em que eu “seio” a liberdade sempre termina na cadeia ou na morte.

Ó biblioteca vazia, abandonada e quebrada.

Ceará de sonho intenso, um raio frígido
De dor na esperança que agora desce.

Se o teu moroso réu, tristonho e limpo
Nem a imagem de um ($) cruzeiro resplandece

Gigante em nossa Fortaleza
És “belo”, és “forte” impávido, colosso
Se o teu futuro espelha essa pobreza
Escola roubada, em muitos mil, coisa do Brasil
Escola lascada!
Dos filhos deste solo és mãe doentio
Do meu Povo amado, estudantil

Deitado eternamente em berço esplêndido, ao sol do mar e à luz de muitos fundos, fulguras, ó Governador, amigo da América, iluminado ao sol daquele mundo
Mas da minha terra, empobrecida, teus risonhos lindos sonhos têm mais flores, os teus cofres têm mais vida, nossa vida no teu seio só tem dores.

Ó biblioteca vazia , abandonada e quebrada.

Brasil, de descaso eterno seja símbolo
Pelos líderes facínoras embelezados
E diga sem o louro nesta flâmula:
Guerra no futuro e vergonha no passado

Mas se ergue aqui da justiça a clava forte
Verei que meus amigos não fogem da luta
Nem teme quem nos rouba e leva morte.

Escola roubada, em muitos mil, coisa do Brasil
Escola lascada!
Dos filhos deste solo és mãe doentio
Justiniano de Serpa, no Brasil.

É lamentável ter de usar meu dom em tamanha distorção da obra de Joaquim Osório Duque Estrada, mas é fato e fruto da política brasileira, que nos impede de cantar o hino como fazem os americanos. Meu poema abaixo foi escrito para externar o que senti pelo que nos fizeram:

O COLÉGIO DOS PRÉ-SONHOS E DOS SONHOS
FRUSTRADOS
Entrei por tuas portas pensando alto.
Sai cabisbaixo.
Diante dos alunos particulares éramos inferiores, terceiro mundo versus primeiro.
Nosso Colégio era a esperança dos sem opções.
O vinho do fardamento deveria ter sido substituído pelo o amarelo da fraqueza.
A piscina era mágica só nos primeiros dias.
Quais Colégios do Ceará possuem piscina?
O Justiniano tem!, mas só serviu para enfeitar. Aquela piscina deveria ter sido usada para afogar os governantes de nosso Estado.
Um “prédiozão”, um dinossauro ultrapassado, beleza de um defunto enfeitado.
Ali estudamos migalhas e se somos bons foi por puro esforço pessoal, do pouco que trouxemos dali só a amizade estudantil valeu.

Minha educação só foi mais balanceada porque estudei paralelamente, no período da tarde, em outro Colégio, mas o triste quadro era este, melhor expressado na próxima crônica.


A MITOLOGIA DO ENSINO
O certificado de 2° grau de um colégio público da década de 80, em Fortaleza, só prova que o diplomado teve muito saco de agüentar ir várias vezes ao Colégio apenas para ver o tempo passar.
Não havia professores, não havia aulas, não havia aprendizado. Quando não tinha os dois últimos períodos de aula, nós alunos, nos alegrávamos por saber que íamos mais cedo para casa. Sabíamos que aquilo não era bom, mas não tínhamos sidos levados a sentir o gosto do aprendizado, o conhecimento não era ansiado por nós, tínhamos as aulas como informações chatas que provavelmente nunca precisaríamos. Gostar de estudar, se alegrar por saber mais, ser estimulado a se tornar um bom aluno, virar um crânio (termo dado ao aluno inteligente na década de 80) não havia em nós.
Jovens que hoje são adultos, estão espalhados por essa cidade escondidos em sua mediocridade através de um certificado de 2° grau, não dizem para ninguém que não são bons, apenas dizem que possuem o 2° grau, tentando esquecer que foram iludidos pelo Estado.
O Justiniano de Serpa era uma farsa, um lugar que pessoas criavam a ilusão que aprendiam, ensinavam, organizavam e dirigiam uma instituição de ensino médio.
Alguns alunos não reclamariam se na metade ou até mesmo no começo do ensino do 2° grau recebessem o certificado de conclusão. Ninguém era levado a amar o estudo ali.
Hoje vemos faculdades que dão o certificado de nível superior da mesma forma. Apenas para o formando se iludir, apenas para embolsarem um bom dinheiro.
Quem estuda nesse mundo para encontrar a verdade? Para saber viver, para obter a excelência em benefício da Sociedade? Estudam para criar status, para ganhar dinheiro, para se sentir alguém e não para crescerem, não para melhorarem o mundo. Esses deveriam ser os modos de se estudar, mas ontem e hoje, isso não passa de pieguice, utopia, idiotice, de idealismo bobo. Mas dane-se esse Sistema, não me vendi, e espero que você também não se venda.
Estudar por amor aos homens. Estudar para dizer a verdade. Estudar para glorificar a Deus. Estudar para o bem da humanidade e não por valores egoístas, falsos ou distintivos. Essa é a missão dos estudantes! Essa é a sua missão!
Graus de instrução por certificados não significam nada se você não ajudar àquela senhora a subir para o ônibus certo.
Graus de instrução por certificados não significam nada se você rouba e trapaceia.
Nenhum significado tem para você o certificado de médico ou enfermeiro se seu irmão morre numa mesa fria de um hospital sem o devido atendimento desses profissionais.
De que vale o certificado para quem parou de estudar?
O certificado só prova que estivemos num Colégio ou Faculdade e não que sabemos. Não se deve aprender no exercício da profissão o que se precisa dominar na sala de aula. Já profissionais, nosso aprendizado sim, deve ser para desenvolver e levar a evolução o conhecimento na nossa área, seja humana, exata, da saúde, ou das tecnologias. Ir contra isso é estar sempre com um passo atrás do futuro.


VOLTANDO ÀS AULAS
Era horrível ter de acordar todos os dias às 6 horas da manhã para ir ao Colégio, foram o quê...14...15 anos? Foi longo!! Mas faz parte da vida de todos os estudantes. E o bom é estudar pela manhã mesmo! Exatamente porque ensina as crianças e os jovens a serem disciplinados, responsáveis e menos preguiçosos. Mas o segredo é aprender a gostar de estudar, encontrar prazer em ir para a escola, digo isso com experiência, eu estudava em dois turnos, cheguei mesmo a estudar em três. E não sentia desânimo, mas muito prazer, tanto é que aqui estou contando a história.
Mas, vamos viajar comigo...
Era uma vez...
...a voz da minha mãe me despertando. Aquilo era sagrado, sem minha mãe não sei o que seria de mim, o que seria de nós! Pois acho que era assim com todos nós estudantes matutinos, vale até uma reza adaptada:

Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo!
Bendita sois vós entre as mulheres, bendito é o fruto do vosso ventre
Estudantes!

O banho frio me transformava e despertava. Não aconselho banho quente pela manhã é muito relaxante, o ideal é o frio, se possível gelado, é desagradavelmente estimulante, quando vestia o fardamento (vinho com branco, tendo na calça comprida uma risca branca lembrando as antigas calças militares) era com todo gosto, pois o corpo frio, às vezes tremendo, pedia agasalho.
Demorava mais escovando os dentes do que tomando café, não esqueçam que a Socorro era outro estímulo para mim ir para a escola.
Meu “café” era básico, café com pão, quando variava era quando minha mãe fazia ovos fritos com cuscuz e café, como era delicioso! Assim como também era o pão amanteigado com água fria; pão com água, apesar do dizer pejorativo “a pão e água”, é o alimento mais gostoso do mundo quando não comemos por necessidade; não tem gosto de nada, mas é o alimento mais...mais...Experimente! Quem descobriu esse petisco oculto pelo preconceito fui eu e meu irmão num momento de sorte. Se possível feche esse livro e vá provar agora e certifique-se então que o bom da vida está mais perto do que pensamos.
Minha carreira para pegar o ônibus era puro exibicionismo misturado com mini-cooper diário, muitas vezes eu cheguei a simular um atraso só pelo prazer de fazer aquela corrida com pose de atleta, imitando o Carl Lewis3, para subir no ônibus, controlando a respiração, querendo impressionar os demais alunos já no ônibus, depois me dei conta que quase ninguém ligava para minha performance. Como os adolescentes gostam de se iludir!!

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3 Carl Lewis é um carismático velocista que ficou famoso quando ganhou em 1988 os cem metros rasos nas olimpíadas.

No ônibus, o problema no Primeiro Grau era ter de conseguir atravessar o corredor lotado do coletivo, na época não havia terminais de ônibus, nem transportes alternativos e nem a mesma frota de ônibus que temos hoje. O corredor do coletivo parecia o corredor da morte do filme “O Templo de Shaolin e os oito homens de bronze”4, passava-se se espremendo entre os passageiros . No período do Segundo Grau não mais precisei enfrentar o dito corredor, o Justiniano de Serpa sendo no centro da Cidade não tinha de me preocupar, quando chegava no ponto de parada, o ônibus já estava vago. No entanto, eu sofria quando o ônibus passava pelo velho Presidente Médici e pela pracinha da igreja católica de Nossa Senhora da Saúde no bairro Mucuripe, lembrava dos velhos amigos5, das menudetes correndo atrás de mim, das brincadeiras de bicicleta, da minha sofrida primeira comunhão (feita por mim com a farda da Escola por causa da minha pobreza), da biblioteca (fui escolhido como bibliotecário pelo Centro Cívico, nome dos grêmios na época da ditadura militar, mas era uma função incompatível comigo, eu deixava de executar as tarefas de organização para ler os livros); recordava ainda minha querida professora Gleise de Português, eu a enlouquecia escrevendo no título das suas provas “Teste de Portugays”, até do Sr. Edmilson, o diretor carrasco número dois da minha vida, eu sentia saudade. Falando nisso, acho que descobri a resposta da pergunta do porquê que os diretores nos davam tanto medo? Devia ser por causa daquela história de que o aluno expulso por mau comportamento ficaria sem futuro estudantil. O fato é que todo dia num momento de menos de 10 segundos, que era tempo que o ônibus perdia para passar pela Escola, todas aquelas lembranças me vinham à mente, era olhar e lembrar de tudo num segundo para depois esquecer no outro.
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4 Este filme raro foi assistido pelo autor em 1983 num cinema clandestino que exibia filmes de arte marcias contrabandeados, com câmera projetora, usando rolos de filme, já que vídeos não existiam naquela época, no referido corredor o aprendiz Shaolin tinha de atravessar um rall com doze homens de armadura que batendo e o massacrando, tentavam impedir o aprendiz de conseguir o prêmio, uma tatuagem de um dragão, que conferia ao possuidor o título de mestre Shaolin. No Karatê há um tipo de corredor da morte também, quando o karateca deve levar umas chicotadas com as faixas de graduação dos demais andando num corredor formado pelos alunos.

5 Cícero, Marcos, ET, Berg, Sabino, Edgar, Benê, Sílvio, Edcarlos, Eglantine, Claudiney, Edilson, Rita...


Meu ponto de descida para o Justiniano de Serpa era na Praça dos Leões, de lá tinha dois caminhos, ou ia pela frente do prédio do Palácio do Progresso ou por trás, os vidros me serviam de espelho para arregaçar o colarinho, fazendo o ficar tipo Elvis Presley, ele ajudava a me caracterizar como o aluno que eu queria ser, um rebelde transviado (Sem fazer a separação silábica por favor!) dos anos 80. Sempre achei que nasci na época errada!
Logo se atravessava a rua do comércio atacadista, passava-se por umas lojas de bomboniere e enfim estava-se no Colégio, de minha casa até o Justiniano, eu gastava uns 40 minutos. Às sete e meia da manhã, o sino tocava dando início a primeira das cinco aulas diárias. O intervalo, que pelo costume do Primeiro Grau ainda chamávamos “recreio”, durava uns 15 minutos, usados para interagir as classes. A merenda da maioria era uns dois picolés, muitas vezes tendo um deles (o saboreado em público) repartido com o que ficava olhando, uma mordidinha tímida, mais aperitiva do que satisfatória. Geralmente o que dava para um mais guloso, puxava rápido da boca do assanhadinho, se não... seria uma ótima cena para o filme Tubarão. (Risos!!).
Quase defronte ao Colégio, do seu lado esquerdo, havia uma igreja católica (Do pequeno grande) com um aspecto por demais pontiagudo, tendo uma imagem da virgem Maria católica na entrada. Junto dela funciona o Colégio Imaculada Conceição (CIC), um Colégio particular discreto em termos de propaganda, mas um sonho em matéria de qualidade de ensino e organização se comparado ao Justiniano de Serpa, é enorme, me perdi quando entrei nele nesses dias, é belíssimo, com variadas formas arquitetônicas. Os professores possuem níveis universitários, e os alunos possuem privilégios que os do Justiniano de Serpa sequer imaginam. É o primeiro mundo em comparação com o externamente majestoso Justiniano.
Do outro lado da rua das casas de bomboniere ficava o Colégio Nossa Senhora das Graças (um Colégio público só para moças), mas que era inferior no porte ao Justiniano de Serpa, este parecia o centro de tudo naquela região, abrangendo praticamente um quarteirão inteiro. A praça em sua frente permitia que fosse visto de longe, majestoso e clássico. Possui um telhado pontudo e as janelas externas enfeitadas com molduras de argamassa de cor branca, a porta principal é comprida, bem como as janelas de cor verde, tendo acima dela um relógio parado desde lá sabe quando, parece aquele do filme “De Volta Para o Futuro” que é danificado por um raio numa noite de chuva, tornando-se o meio que o viajante do tempo volta para sua época, já aquele lá deve ter parado por falta de manutenção mesmo e duvido que leve alguém para algum lugar.
Na frente do Colégio, no centro da praça, há um busto meu, seu aluno mais ilustre (estou brincando!), o busto é de Filgueira de Melo que também batiza a praça.
As cores oficiais do Colégio são rosa e vinho, tendo sempre os detalhes de cor branca.
A entrada é em elevação, numa escadaria imponente ladeada por dois murinhos baixos cravados de pedrinhas (provavelmente para algum aluno evitar fazer deles um tipo de escorregador), os murinhos terminam em duas colunas que tinham no passado um balaustre, um tipo de torre que são usadas em série no muro protetor do corredor principal do prédio antigo. Essa escadaria dar acesso a sala de recepção do Colégio e possui uma similar que, depois de atravessarmos a sala de recepção, nos leva ao pátio central do prédio antigo, onde no meio fica a piscina, que em seu lugar havia antes o auditório.
Logo que se entrava na sala de recepção nos deparávamos com uma mesinha de madeira de lei redonda, onde ficava um telefone, e uma pessoa com a função de recepcionar, geralmente a Temis (funcionária do Colégio desde 1982. Ainda hoje ela trabalha lá, deve estar lendo isso agora, eu dei uma cópia pra ela. Oi, Temis, tudo bem!?). Logo na primeira porta à direita da porta principal ficava a sala do diretor, só entrei nessa sala umas duas vezes, vemos ali na parede os velhos quadros do diretores anteriores (querem ser imortalizados como os Presidentes da República ou os papas, deve ser!). Ao lado da sala do diretor fica a do vice. No lado esquerdo da sala de recepção temos um retrato célebre de Justiniano de Serpa com duas placas com informações da construção e da reforma, existe um retrato similar do Justiniano de Serpa na Academia Cearense se Letras, o nome dele também é dado a biblioteca dessa instituição, que logo, logo, em acolherá, vocês vão ver. Do lado direito do quadro encontramos um velho relógio de ponto à corda de marca Rod-Bel, que segundo a lenda nunca teve defeito.
No teto da sala de recepção há um lustre que desce por uma corrente. O final das paredes da sala de recepção possui um emoldurado de flores e folhas.
O piso da sala de recepção é de lambril.
Depois que se sai da sala da recepção, temos a direita, a sala da secretaria tendo ao seu lado uma sala de aula, (a sala de aula que estudei com a Socorro fica abaixo dessa). No lado esquerdo da saída da sala de recepção ficava a sala da coordenação e a dos professores, onde há um quadro do Colégio, ali os professores desde longa data se reúnem para tomar café. Logo depois da sala dos professores, já no corretor esquerdo temos o auditório e a biblioteca, em seguida há salas de aula.
Na nossa época só havia um telefone público no Colégio, que pouco era usado, na época ter telefone em casa era quase um luxo.
O prédio antigo numa visão geral tem um formato quadriculado com a abertura que dá acesso para as duas quadras e o prédio novo.
O prédio novo tinha uma escada alternada que dava acesso aos dois andares desse edifício, enquanto no primeiro andar ficava as salas de aula do segundo ano, no segundo fica as do terceiro.
Abaixo do prédio novo fica um espaço, onde muitas vezes os professores de educação física davam suas aulas. Foi ali onde dancei com a Socorro. No final desse espaço fica a cantina, onde todos os dias eu tomava um copo de leite gelado com açúcar, era o único alimento que eu tinha no Colégio além dos picolés.
As aulas terminavam ou começavam com o toque do sininho verde que fica logo na saída da sala de recepção, a tocadora oficial sempre foi a Temis. Atualmente ele só é usado quando falta energia elétrica, tendo a Temis de agüentar o “olha o gás butano!” 6 dos alunos mais brincalhões.

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6 Na distribuição do gás butano os caminhões avisam as donas-de-casa de sua chegada com um toque de sino


DISPENSANDO OS PROFESSORES
O que mais agravava a precariedade de nosso aprendizado naquela época era a ausência dos livros didáticos, como se estuda sem os livros?
Apesar das dificuldades financeiras dos alunos, a causa dessa deficiência vinha mais dos professores, que muitas vezes nem ao menos indicavam o livro que seria adotado, porque presumiam que os alunos não iriam comprar mesmo. Assim, mesmo para aqueles que tinham condições de comprar (e quem sabe até emprestar aos colegas mais carentes) a aquisição dos livros era barrada ou inibida. Os pais não se sentiam pressionados para comprar os livros e deviam achar isso bom economicamente. Mas essa aparente ajuda atrapalhou muito o aprendizado.
A professora de Inglês conseguiu que seu livro fosse adquirido por quase todos os alunos porque simplesmente bateu o pé e disse que o livro era obrigatório. Infelizmente os outros professores de disciplinas mais importantes não fizeram o mesmo para tragédia de toda uma geração.
A meu ver o livro serve de suporte àquilo que é ensinado pelo professor na sala de aula, é inviável o professor passar a aula toda copiando no quadro ou ditando a matéria a ser estudada. O bom aprendizado é aquele onde as dicas, esclarecimentos e sugestões do professor é complementado pelo livro, seja através de mais detalhes ou pelos exercícios. Depois da aula o aluno precisa estudar, reter e dominar a matéria e só com o livro ele pode fazer isso.
A biblioteca do Colégio em meu tempo não passava de um amontoado de livros fora de órbita, não havia um livro que servisse, que estivesse compatível com os ensinos das salas de aula. E se havia, algum aluno sem ética acabava por roubá-lo, fazendo a situação se agravar para ele e para os demais. Sujeito que rouba livro de biblioteca devia ser fuzilado em praça pública, e espero que no juízo, Deus castigue esses loucos com os mesmos castigos dos assassinos.
Ninguém tinha idéia de ir junto à sociedade pedir ajuda de doações de livros. Só sabiam brigar com os monstros que dirigiam a política, em palavras e passeatas infrutíferas. Era um descaso grosseiro, faltava genialidade, podiam ter vendido ou ameaçado vender o piano, que só servia de enfeite mesmo (ou então procurar um professor de piano para dar aulas e com o dinheiro delas comprar alguns livros), ninguém pensava, todos se acomodavam, mas agora podemos fazer alguma coisa, não espero que este livro também fique sem ser lido.
A ironia é a frase do hino do Colégio:

Pelo bem do Brasil, Pátria querida,
seja o livro o nosso fã perenal.
O livro “fã perenal?!!” Que conversa é essa!! Se os livros pudessem opinar com certeza eles teriam dito que quem deveria ser dispensado eram aqueles professores que não lutaram para que os livros fossem adquiridos.

“Meus melhores amigos foram os livros” Digo e repito para o mundo ouvir e entender, sem livros somos máquinas sem os devidos manuais de instruções.


A REFORMA NO ENSINO SUPERIOR (2004/2005)
Segundo Claudio de Moura Castro (Revista VEJA – Ponto de Vista, de Maio de 2005, pág. 20) a atual reforma universitária é tardia e inócua (inofensiva, tola, idiota) exatamente pela falta da qualidade dos graduados no ensino médio. As péssimas notas dos formandos (nos provões e no próprio curso) do ensino superior são explicadas pelo que os alunos sabiam ao entrar no ensino superior. Ou seja, a deficiência de qualidade no ensino superior não deve ser creditada apenas a deficiência ou as qualidades da faculdade cursada. Se quisermos qualidade no ensino superior as mudanças devem focalizar os níveis que vem antes. Não adianta abarrotar as universidades como quer o governo com alunos deficientes e desnutridos do conhecimento básico e médio necessário. Por conseqüência, as políticas de eqüidade no vestibular do ensino superior, igualando alunos pobres com os ricos, serão péssimas. A devastação dos mais pobres já foi feita, seja pela falta de leitura, de incentivo, de alimentação, de qualidade de vida ou pela má qualidade das escolas básicas e secundárias.
Claudio de Castro ainda diz que nem os ricos escapam dessa deficiência estudantil das séries antes do ensino superior, já que as provas internacionais (PISA) mostram que a elite de nosso país entende menos o que lê do que os filhos dos operários americanos.
A vista disso, escrever este livro só não é insano porque em torno dele tudo farei para mudar o quadro que está pintado no Brasil. Não podemos depender do nascimento de gênios, queremos que todos tenham boa formação e juntamente com os gênios, que vez por outra Deus envia ao Mundo, possam colocar nosso país no cenário que a muito ele deveria estar.


SHAOLIN
Meu interesse por Kung Fu (uma arte marcial inspirada nos movimentos dos animais) se deu na infância, quando meu tio, um ex-artista de circo que fazia shows de variedades pelo Brasil, esteve em visita a minha casa, ele era incrível, andava na corda bamba, manejava o chicote como o Indiana Jones, fazia malabarismos, sabia truques de mágica e de dentre outras infinidades de coisas também lutava Kung Fu. Numa tarde, ele levou a mim e meus irmãos para a praia e nos ensinou alguns golpes de Kung Fu. Quando terminou o treino e ele disse que eu era quem mais levava jeito pra coisa, nasceu naquele momento um estudante de Artes Marciais.
A princípio eu comecei a treinar sozinho, estudando um livro chamado “Karatê Sem Mestre”, depois fiquei sabendo que o amigo de um colega meu estava lhe ensinando Kung Fu, logo procurei estreitar a amizade com este colega e lhe pedi para me ensinar.
O Nilson era uns três anos mais velho que eu, eu devia ter uns treze e ele uns dezesseis quando comecei a treinar com ele Kung Fu, isso lhe dava muita vantagem quando todas as tardes nós nos encontrávamos numa praia isolada para treinarmos. Sem perceber, eu havia me tornado em um saco de pancadas dele, mas enquanto apanhava, eu me preocupava em observar os seus movimentos, com o tempo acabei me tornando em um bom e nobre lutador, aprendi a me desviar de golpes e a agüentar pancadas, além de desenvolver muito a humildade, pois sempre o considerava melhor do que eu, e nunca me esforçava em querer ser o melhor ou superior, mas sempre em aprender alguma coisa.
Mas meu aprimoramento no Kung Fu só veio a se desenvolver mais quando o Nilsom me apresentou seu mestre, o Paulo Henrique.
O Paulo era um pouco mais velho que o Nilsom, era magro e tinha um temperamento bravio. Seu corpo era cheio de marcas de faca, das inúmeras brigas de rua que tivera em sua agitada adolescência, era esperto e inspirava respeito. Logo ficamos amigos, o que me deu liberdade de pedir emprestado todo o acervo de artes marciais que ele possuía, em poucas semanas, eu já sabia toda a história do Bruce Lee, também absorvera muitas informações e dicas fundamentais sobre Kung Fu. Era minha vantagem em relação ao Nilsom, enquanto ele só se aplicava na parte física do Kung Fu, eu me aprofundava também no lado filosófico, lendo e me inteirando de todo o material que o Paulo Henrique me oferecia.
Foi nessa época que surgiu um grupo de músicas infanto-juvenis que marcaria toda a década de 80, o Menudo. Em certo dia o Nilson me convidou para cortar o cabelo com a sua namorada que cortava cabelo muito bem. Foi a primeira vez que cortei o cabelo com uma mulher, até então sempre cortava o cabelo no barbeiro do bairro, que era previamente orientado por meu pai para que o corte fosse ao estilo militar. Fã do Elvis e do John Travolta, aquilo era terrível para minha vaidade, mas chegava agora minha adolescência e já iniciava a fase da rebeldia que nem o fato de meu pai ser um rígido policial dos tempos da ditadura militar conseguiu barrar. Depois daquele corte de cabelo minha adolescência mudou completamente, pois ela cortou meu cabelo igual a um dos integrantes do Menudo, o que chamou muito a atenção das meninas do colégio, de uma hora para outra o adolescente calado e retraído se tornou num dos alunos mais populares da escola, em todas as salas havia meninas interessadas em namorar comigo, cheguei a dar autógrafos e ter um pequeno fã clube na turma das meninas da Quarta Série. Foi demais, mas não me aproveitei das meninas, levava tudo na brincadeira, o difícil foi ser aceito pelos outros garotos, a saída foi fingir que não gostava do Menudo para não comprometer minha masculinidade. Só relaxei mais quando o Nilson demonstrou não se sentir efeminado por usar o corte de cabelo do Menudo, definitivamente o cara não tinha nada de maricas, era um valente lutador de Kung Fu, assim fiz vista grossa com os garotos e curti a menudomania, mas só namorava as meninas que eu gostava, as outras eu deixava para meus amigos e irmãos. Agora... por causa do nosso corte de cabelo, se podia ver na praia dois lutares de Kung Fu sempre observados pelas meninas.
Quando o Paulo resolveu voltar a treinar numa Academia, eu e o Nilson também fomos. A Academia era a “Mao Shaolin” (“mao” em chinês é gato), ficava naquela época, na rua Assunção, no Centro de Fortaleza, e era e é considerada a melhor Academia de Kung Fu de Fortaleza, tinha como instrutor um jovem incrível apelidado de Pequeno e como mestre um senhor raro (vivia viajando para São Paulo) e falante, chamado Ronaldo.
O tempo em que fiquei na Academia me deu um aprimoramento espetacular no Kung Fu. Sendo tímido minha presença quase passou desapercebida pelos praticantes da Academia, só ganhei certa notoriedade quando num dia um outro praticante arrogante me desafiou para um combate simulado. Parece que ele percebeu, por meu jeito meigo e tímido, que eu seria uma boa cobaia para ele se exibir diante dos demais alunos. Mas o cara se deu mal. No primeiro chute que ele desferiu, eu segurei sua perna e o derrubei no chão, aquilo impressionou a todos, lembro-me que ouvi um dos instrutores dizer “Puxa, esse cara é bom, só quem eu vi fazer isso foi o mestre!”
Na Academia eu também procurei ler tudo o que eles tinham sobre Kung Fu. Depois de um tempo, eu, o Nilson e o Paulo Henrique saímos da Academia. o Paulo, logo em seguida, abriu uma Academia em sua casa, e lá, continuei meu aprimoramento na arte.
Depois de algum tempo na Academia do Paulo, eu resolvi voltar a treinar sozinho. Como sempre gostei de animais, resolvi voltar às origens do Kung Fu, e dos movimentos dos animais desenvolvi vários estilos, como o da Águia, o do Tigre e o da Flauta, este último totalmente elaborado usando minha flauta doce como um bastão mortal. Aos 16 anos, eu já era um mestre em Kung Fu, meu corpo era uma arma viva, com reflexos de um falcão, mas, por outro lado, minha característica tímida e meditativa me dava um ar pacífico e inofensivo. Foi nessa época que entrei no Justiniano de Serpa, e achei que devia esconder minha característica de mestre e minha personalidade reflexiva, assim adotei um jeito rebelde para contrabalançar meu profundo conhecimento marcial e meu jeito caxias de ser. Para incorporar o rebelde criei um código de comportamento, toda vez que entrava no ônibus e arregaçava o colarinho, o sujeitinho calminho e reflexivo dava lugar a um garoto bagunceiro e irrequieto. Mas não sei como, descobriram no Colégio que eu sabia lutar Kung Fu, assim ganhei o apelido de Shaolin. Mas como percebi que todos pensavam que Kung Fu só servia para brigar, mais ainda facilitou minha tentativa de querer ser visto de um modo diferente do que tinha sido no Primeiro Grau. Mas a prova dos nove das minhas habilidades de luta só aconteceu quando no segundo semestre de 1988, eu e o Nilson lutamos com mais de trinta pessoas, na praia do Cumbuco. Essas pessoas eram jovens rebeldes e marginalizados7 do bairro Serviluz, que o Cezário, eu e o Nilson tínhamos sido incumbidos pelo PAJ (um tipo de grupo de Jovens) para dar aulas de Kung Fu. Neste incidente, estávamos todos de passeio naquela praia, quando alguém teve a idéia de brincarmos de luta, como eu e Nilson éramos os professores de Kung Fu, toda a turma (para não de dizer a gangue!) decidiu que todos lutariam contra nós dois, acontece que da brincadeira a coisa se transformou em luta real, aquele Nilson apanhou meu amigo, levou uma voadora nas costas que até hoje dói em mim! Quando eu já estava exausto de me defender e já apanhando sério pra doer, dei o brado pro Nilson: Agora só vai soco na cara, Nilson! Eles desistiram, graças a uma demonstração que eu tinha feito do meu calejamento das falanges da mão, sendo capaz de socar com força e vigor uma parede sem nenhuma dor, de imediato eles pararam a luta e nós respiramos aliviados. Fora isso, nunca lutei realmente com ninguém, o filme Karatê Kid, ensinando aprender a lutar para não lutar foi a melhor filosofia que adquiri com as artes marciais, mas a rebeldia e a valentia eu não podia deixar de incorporar em mim, era isso ou ser um Nerd. Mas o Shaolin rebelde só durou até o final de 1988.
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7 alguns desses jovens, lamentavelmente, foram mortos pela polícia ainda na década de 80.


A TURMA 1ª B – MANHÃ de 1987
Era um garoto e como eu... João Ricardo foi o meu maior amigo do Justiniano de Serpa. Era calmo, sincero e simples, ficamos amigos por causa do interesse comum por Elvis Presley e atividades físicas.
Como ele sabia datilografar resolvi pedir que ele datilografasse os capítulos iniciais do que seria o meu primeiro livro, intitulado “Colunas do Caráter”, na verdade seria mais um plágio adaptado de um dos livros mais influentes da minha vida depois da Bíblia, o li quando fui Bibliotecário, e acabei furtando-o da Biblioteca, era um roubo para nunca mais roubar, mas era, depois resolvi devolvê-lo, mas como o Seu Edimilson, o diretor, não me pagou o último bimestre do trabalho de bibliotecário, eu achei que estaria tudo bem. Segundo o Ricardo, ele ainda possui os papéis. Mas como estou traduzindo atualmente do grego clássico a obra as “Virtudes Morais” de Teofrasto, com vistas em desenvolvê-la para um livro de formação do caráter, não penso em voltar aquele trabalho estudantil. Mas recomendo o livro, não sei se foi reeditado, mas é espetacular.
O Ricardo também foi fã dos filmes do Silvester Stallone, que fizeram a cabeça (e o corpo) de boa parte da juventude da década de oitenta, ele se interessou em minhas dicas de exercícios advindas do Kung Fu, onde se valoriza mais a força que vem por meio da ginástica do que por levantamento de pesos.
Ensinei-lhe a tocar flauta e alguns golpes de defesa pessoal.
Costumávamos sempre a andar pelo centro de Fortaleza quando éramos liberados mais cedo das aulas. Ficávamos a olhar os discos do Elvis e dos cantores de nossa geração nas lojas de discos de vinis. O pouco que conhecíamos deles vinham dos videoclipes da TV e do som das rádios AM/FM. No meu caso era até mais difícil, já que em minha casa só havia um radinho de pilhas, que sempre estava com meu pai, que adorava ouvir o programa policial “Nos bastidores policiais”. Só ouvia música mesmo no rádio dos ônibus, pena que nem todos os coletivos tinham rádio e que a maioria dos motoristas só gostava de forró.
Certa feita numa dessas caminhadas, ele parou diante de um carinho de pipoca e na maior naturalidade encheu dois saquinhos e me apresentou seu pai. Eu fiquei tocado ao saber que o pai de um amigo era um simples pipoqueiro. Eu sempre esquecia que nosso Colégio tinha quase que a totalidade dos alunos de classe baixa.
Seu pai, como ele, era um homem simples e o relacionamento deles, pelo que percebi, era como de dois bons amigos.
Durante o segundo grau acabei me tornando depois num confidente de meu amigo em dois grandes problemas que ele teve. O primeiro quando a garota que ele estava interessado passou a namorar um amigo dele no bairro onde morava. Ouvi seu lamento quando disse quase em confissão:
– Shaolin, é horrível! Eu chego para meu amigo e fico incentivando para que ele deixe a menina. Cara, eu me sinto mal!
O outro problema foi quando ele começou a namorar uma pré-adolescente, segundo ele, a garota era muito infantil e inconseqüente.
Lamentei muito não ter a companhia do Ricardo no último ano do 2° grau, mas ele teve de prestar serviço militar, o que foi a realização de um sonho para um sujeito que não perdia os filmes do Rambo.
Alguns anos depois ouvi do Ricardo a sua decepção com o Exército, segundo ele, no quartel, você não passa de um subserviente insignificante, todo o aspecto de aventura é dissipado quando você passa horas encerando um piso e a única coisa que ouve no final é: Amanhã tem mais!
Era surpreendente que ele só visse a truculência do Exército depois de ter servido, afinal nossa música preferida era aquela do grupo “Os Incríveis” da Jovem Guarda, sobre o garoto da América que morre sem sentido na guerra do Vietnã, e além do mais o que ensina o filme do Rambo, a não ser que a guerra só deixa seqüelas traumáticas naqueles que a vivenciaram de perto. O Exército é uma instituição corporativista, a maioria dos recrutas são escolhidos por indicação, de modo que lá, dificilmente possui jovens valorosos e verdadeiramente bons fisicamente, o mesmo pode-se dizer dos oficiais, e se por muita sorte um jovem brilhante se enveredar pelos castradores cursos de sargento, passando pelos lucrativos (para o exército) concursos, terminará no anonimato dessa instituição estúpida que os filmes Hair, Platoon e Nascido em 4 de Julho exploraram bem. Como ouvi certa vez “quem é militar nem sabe pensar por si mesmo e sempre tem alguém para lhe dar ordens”. No Exército o que se aprende com segurança e loucura é a arte de matar em nome de um país. O problema é que às vezes deixamos de ver o óbvio.
Na última vez que o vi, fiquei sabendo que ele acabou se casando com a pré-adolescente, que tinha dois filhos e que sofrera muito com a morte do pai.
As maduras. Da nossa turma as meninas mais maduras eram a Maria das Graças e a Fatinha. Eram moças que estudavam e trabalhavam ao mesmo tempo, tendo por isso um ar de responsabilidade que as tirava do ambiente. Todos nós as considerávamos muito, eram muito sérias e não tinham tempo a perder com brincadeiras. Elas sempre me lembravam com aquela atitude que o mundo lá fora era muito duro.
Depois de 1987 apenas vi a Maria das Graças, num encontro casual onde não tive tempo de saber nada a seu respeito, mas ainda possuía o mesmo sorriso simpático.
A-HA. Sempre percebi que a Débora tinha uma quedinha por mim e eu até que a achava interessante, ela era simpática, cheia de vida e fã do grupo musical A-HA, que não oferecia muita concorrência como os Menudos, já que aqueles fazia sucesso no Brasil a distância. Ela olhava-me com atenção e de vez enquando tinha umas briguinhas comigo, mas deve ter percebido que apesar deu a achar interessante, eu não tinha olhos de amor a não ser pela Socorro. No entanto nos demos muito bem, quis muito tê-la reencontrado novamente, mas depois de 87 ela também sumiu.
Simone. Sandro era um rapaz alto e efeminado, fã declarado da cantora Simone. Teve sorte de nessa época eu não mais implicar com os garotos com aquele jeito de menina como eu tinha feito no Primeiro Grau. Tivemos um convívio pacífico e nada mais.
Le Bom. Sandra era um gordinha simpaticíssima, como todos os gordinhos, que parecem compensar o dessabor das gordurinhas a mais pela alegria contagiante. Adotou o sobrenome Le Bom por causa do nome do vocalista do grupo de Rock da qual era fã (Duran Duran), se tornando a eterna Sandra Le Bom. Ela era minha escrivã particular, quando por preguiça, eu lhe pedia para que, usando um carbono, escrevesse todas as anotações que o professor fazia no quadro no meu caderno enquanto escrevia no dela. Entrou para a história o fato deu ter jogado a Sandra na piscina do Colégio, o professor de Química (Marcelo) sempre perguntava se a piscina tinha sido reenchida (risos).
A última vez que vi a Sandra, ela estava fazendo um curso de computação.
Bad Boy. Francisco, não tenho certeza se era esse o seu nome, era o mais amalandrado da turma, tinha um aspecto violento e parece que usava drogas. Mas depois do Segundo Grau o encontrei trabalhando, parece, na profissão de Contínuo, e tudo indicava que estava livre daquela má influência.
Hang Loose. Eduardo era o surfista, tinha um cabelo alongado e sempre trajava roupas com marcas de Surf, o gesto da mão da marca Hang Loose (em forma de telefone, com os dedos indicador, médio e anular recolhidos) era sua marca registrada. Parece que era o mais abastado dos demais alunos, mas não demonstrava. Foi um dos poucos que ainda estudou comigo em 88, quando se tornou mais maduro e responsável.
A líder da turma. A Selma, de óculos, esperta e comunicativa, sempre me lembrava a Welma do desenho animado do Scooby Doo, por ter um jeito desenrolado de ser. Sempre ficava a elogiar meu corpo atlético. Era comum depois da Educação Física, ela fazer comentários a cerca do meu biótipo, deixando-me embaraçado.
O irmão. Evangélico declarado, O Stênio era um defensor de sua fé quase insuportável, nas aulas sempre lançava perguntas de cunho religioso aos professores; quando me tornei mais espiritual, acabamos sendo bons amigos. Atualmente tem um posicionamento religioso mais liberal e trabalha com pinturas.
A elétrica. Francineide era super alegre, tinha um jeito engraçado de mulher neurótica, mas só era seu jeito ativo de ser, não tinha nada de frágil ou romântica, mas tinha entusiasmo e vivacidade. As vezes ela se irritava muito com o Stênio.
De trem. O Mota era um rapaz inteligente e boa praça que morava em Mararcanaú, por isso tinha de vir todos os dias de trem para o Colégio. Era simpático e simples, possuidor de um carisma forte. Depois de 87 perdemos todo o contato, já que passamos a estudar em classes diferentes. Quis muito tê-lo reencontrado, mas sinto que isso, assim como para a maioria daquela turma, nunca mais acontecerá.
A Menudete. A primeira vez que a vi acho que devo ter me apaixonado, era ingênua com aquela sua tietagem por aquele grupo musical que nem mais fazia sucesso em nossa época, mas era lindíssima, com ela realizei meu sonho de namorar uma garota da minha própria sala. Sempre que ingressamos numa nova sala a primeira coisa que fazemos é notar as meninas e os meninos para saber quem são os mais interessantes ou bonitos. E ela foi a aluna mais bonita de todas as minhas salas de todos os anos, pena que tenha atrapalhado nosso romance com as bobagens que lhe disse num encontro que já relatei.
Como fã dos Menudos, ela não media distâncias, viajava para outros estados só para ver o grupo se apresentando. A turma a considerava muito boba com aquela atitude infantil e irracional, afinal ela tinha 18 anos, era mais velha que os próprios Menudos, mas agia como se tivesse quatorze, no entanto eu a amava e gostava de sua dedicação aos seus ídolos. Mas um dia me apavorei, o Stênio chegou na sala com uma reportagem que mostrava que o grupo Menudo tinha certo envolvimento com uma seita diabólica, e que muitas de suas músicas quando rodadas ao contrário continham mensagens satânicas, mas ela deu de ombros, disse que não se importava com aquilo. Eu achei então que sua tietagem tinha perdido as estribeiras, religião não era meu forte na época, mas conversa com coisas demoníacas não era comigo. Ela, contudo, estava disposta a vender sua alma a ter de abandonar aquela fixação incompatível com sua idade, fiquei chocado e muito preocupado com a Socorro, logo suas notas estavam muito baixas e tentei lhe ajudar a entender as matérias em que estava mais atrasada, tinha preocupação porque sua idade já era avançada para o ano escolar em que estava, ficar reprovada seria desastroso, mais ainda porque eu ficaria sem ela em minha nova turma do ano vindouro. Mas era difícil ensinar a Socorro, como tentei, estando apaixonado, ela acabou ficando reprovada, para tristeza minha.


MINHA QUERIDA MENUDETE
Sou teu fã
Admiro tua linda ingenuidade sincera
Tua pureza infantil, minha menina Peter Pan.
Penso em tuas lágrimas pelos porto-riquenhos dançantes.
Para mim foste a melhor menudete, a fã número um, o bastante.
O bastante para os Menudos serem reis, os líderes daquele movimento meio bobo que para você era o máximo
Teu amor pelos Menudos me massacrava
porque como você a eles
eu te amava.

NOSSO TEMPO DE AMOR MENUDO
De tudo que me consola em relação ao meu romance do Segundo Grau está a idéia de que em algum momento nosso amor existiu de modo recíproco, ela me amava e eu também. Assim que minha truculência ilógica rompeu o relacionamento passei a esquecer todo o sentimento, apesar de em 88 e 89, eu sempre me emocionar ao vê-la, mas vivia aguardando o próximo amor. Pensava que encontraria outra garota para substituí-la, mas as várias meninas com quem fiquei em 88 careciam daquele jeito ameninado que eu e Socorro tínhamos em nosso envolvimento, é como se o que valia entre nós era o sentimento de amor inocente, já meus namoros depois dela eram pautados pela atração sexual, eram mais físicos e maliciosos. Talvez foi isso que me fascinou em nosso relacionamento.
É uma pena que a Socorro não soltou todo o seu sentimento quando namoramos, ela se preocupava demais com o futuro (acho), pensava em nossa pouca idade e rejeitava aceitar que me amava, mas amou, apenas não alimentou e depois, infelizmente, substituiu. Em meu caso, eu fui mais aberto, afinal eu declarei que a amava, quando julgava que esta frase devia ser dita a pessoa certa no momento certo.
O tempo se passou e não consegui encontrar outra garota pura e doce, essas existiam apenas na adolescência, mas eu não era mais adolescente, e nisto estava a frustração. Tinha saído da “Terra do Nunca” e só aos poucos fui percebendo.




SAINDO DO MENUDO8
Nos amamos. Não esqueço.
Insubstituível amor.
Como jovens se amando. Nunca mais poderemos ser.
Entre a infância e a fase adulta: adolescência! Curta, linda, contraditória, confusa. Nem crianças nem adultos, quase ingênuos, quase sagazes, o meio-termo mágico da vida.
Que saudade sem vontade de ter os erros e a imaturidade, que saudade!
Agora somos adultos e o amor adolescente se foi,
se foi para sempre,
para sempre.
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8 No grupo musical Menudo, os garotos eram substituídos quando saiam da adolescência.


A ARTE COMO ESPELHO QUE REFLETE A ALMA
Como se pode perceber pelas escassas informações que tenho dos meus amigos do primeiro ano, não havia envolvimento pessoal entre os alunos, nos encontrávamos no Colégio e formávamos nossas amizades com poucas informações uns dos outros, sabíamos o nome de alguém, conhecíamos alguma característica dessa pessoa e pronto, ficar amigo no Colégio é fácil por causa da convivência diária, mas nem sempre são amizades íntimas e profundas.
Certa vez, quando tocava flauta, na sala, numa aula vaga, percebi muito a cerca da turma, a Selma era a mais culta, toda música que eu toco em flauta sempre está associada a algum filme ou momento histórico cultural, e ela sempre apontava com precisão o que eu evocava ao tocar o instrumento. A Fátima se desmanchou em deslumbramento pelas melodias que eu executava, e pedia-me que eu tocasse alguma música que ela apreciava, revelava assim ser uma pessoa muito meiga e sentimental. Dos rapazes, o Stênio e o Ricardo demonstraram curiosidade pela flauta, revelando assim algo além do interesse por religião e filmes de ação (respectivamente). Por outro lado, a Socorro nunca expressou nada sobre o meu desempenho como flautista ou sobre as melodias que apresentava, não sei se porque não queria revelar que gostava de mim ou por simplesmente não achar interessante. O fato é que aquela minha atuação serviu para revelar um pouco do que havia no interior de meus amigos.
Atualmente eu consigo conhecer muito das pessoas quando peço para que leiam meus poemas, gosto de ver a reação delas, os seus comentários, com isso, um pouco do que realmente são me é revelado. Costumo sempre escrever poemas péssimos, vazios e sem sentido, e apresentar para o devido apreciamento, se a pessoa achar ótimo, já sei que se trata de alguém que quer agradar e não dizer a verdade ou de um gosto duvidoso. Infelizmente naquele tempo minha capacidade poética só se manifestava na minha interpretação musical que fazia com minha flauta, o que pouco faz para desvendar o íntimo de algumas pessoas.
Ouvi certa vez a Socorro preocupada por causa da Educação Física, porque não queria mostrar suas pernas, que ela julgava muito finas, o que era uma grande ilusão, na verdade suas pernas eram perfeitas, estando compatíveis com seu corpo esguio, que para mim era perfeito. Mas aquela informação revelava um pouco do seu íntimo, de como ela se via, que graças a Deus não era como uma musa sensacional, isso muito me encorajou a tentar conquistá-la, se eu soubesse que ela se achava o máximo, não teria estímulo algum para me lançar na busca de seu coração. Mas foi exatamente esse detalhe que depois a fez se afastar de mim, pois no nosso fatídico e trágico encontro, eu me lancei em atacá-la, mentindo, nos seus aspectos físicos, cometi assim suicídio de amor, pois se ela já era complexada com seu corpo, minhas chances dela ainda tentar alguma coisa comigo foram desintegradas.
Certa feita também ouvimos um comentário da Selma muito interessante, dizia ela que quando chegava em casa a primeira coisa que fazia era ir logo tirando a blusa, depois os sapatos e assim por diante, a medida que entrava em casa ela ia ficando cada vez mais com menos roupas, sendo muitas vezes despertada por sua mãe por já está quase nua no meio da casa. Essa informação me fez ver o quanto a Selma era liberal e a vontade, não sabia fingir, era franca e simples, por isso não era difícil ela abertamente elogiar meu corpo.
E assim aos poucos nos conhecíamos, um detalhe aqui outro ali, mas nunca totalmente. Para isso seria necessário ver cada um em situações tensas, hilariantes, vexatórios, tristes ou perigosas. As pessoas só deixam cair suas máscaras em situações assim, buscamos sempre nos ocultar numa imagem que criamos para nos socializarmos, mas o nosso ser, nossas motivações e virtudes e defeitos da personalidade, sempre ficam ocultos por trás do cumprimento, do sorriso e da fachada que apresentamos. É com nossas reações diante da arte que esse desvendar do nosso ser é revelado, por isso a melhor maneira de conhecermos alguém é assistindo um filme ou peça teatral, visitando uma galeria de arte ou vendo um espetáculo de dança com essa pessoa.


VIRGINDADE
É entre os 16 e os 18 anos a fase em que geralmente as mulheres perdem a virgindade. Mas foi nesses anos em que eu perdi minha verdadeira virgindade masculina. Quando amei a primeira vez.
É garotas! O menino vira rapaz quando encontra o primeiro amor. O primeiro ato sexual do homem não passa de um misto de surpresa e libertação do estigma de ser virgem para os demais garotos. Ocorre essa perda entre os 14 a 17 anos, o meu, que vergonha!, ocorreu aos 15 anos com uma mulher experiente, amiga de uma das namoradas de meu irmão conquistador (um verdadeiro Don Juan de Marco), a mulher na verdade foi conquistada para ficar comigo por esse meu irmão, eu não teria capacidade para isso, ainda ouvia e cantava “Doces Beijos” do Menudo e meu supre-herói não era 007, mas Peter Pan, o menino que não queria crescer (até hoje me identifico com o Peter).
Como cristão ortodoxo não posso deixar de dizer que sou adepto da idéia de sexo só no casamento e por extensão, a virgindade, tanto masculina como feminina, só deve ser perdida depois dos votos matrimoniais. Mas não serei aqui um ditador, ninguém deve dizer ao jovem moderno, cheio de liberdade, o que deve fazer sem mostrar-lhe os motivos lógicos e dignos. Para mim a antiquada Bíblia e suas chamadas teorias medievais são mais do que lógicas e dignas, são sábias! (O grifo em “para mim” é bem meu). Se me julgarem fanático religioso que se lixem! (com lixa de fogo eterno).
Dizem os apologistas do adultério e do sexo livre que Adão, cansado da monogamia, morreu arrancando costela após costela, tentando abrir novos milagres femininos. De minha parte acredito que ele viveu esperando o Messias, para que pudesse desfrutar do gozo com Deus, donde o casamento maduro com seus orgasmos e tudo, não passa de uma prévia (Efésios 5.28-32).
Acredito que esse procedimento radical (que eu não tive foi por causa da cultura liberal vinda desde os anos 60, e que explica muitos pecados sexuais desastrosos que o mundo ocidental tem cometido e se acostumado) tem sua vantagem. Não só no moralismo, mas também no romantismo, na beleza até artística e rara de um casal que se casou em virgindade recíproca, e que além disso, se ama, é fiel até a morte e se satisfaz plenamente, mais do que qualquer ninfomaníaca(o) com os excessos, sempre exaustivos e insatisfatórios da devassidão sexual.
Se alguns acharem isso ilusão é porque perderam a fé no amor conjugal sugerido por Cristo. Mas eu vos digo jovens, apesar da contaminação do sexo livre, que abrange a todos do caminho largo, tentem se guardar (mesmo os que já perderam a virgindade) para a sua e o seu, aquele ou aquela especial, pois nisso, além da beleza moral e das marcas de sentimento de amor nobre, existe a fantasia de um sonho íntimo que se torna real.



TROFÉU FRAMBOESA
A Professora de Educação Artística tinha muita boa vontade dentro da sua disciplina que sinceramente era inútil para mim na época. Ninguém se incomodava muito com essa matéria em que quase todos sempre tiravam boas notas, o único conhecimento que ela nos dava era saber que pelo menos nela não tínhamos que nos preocupar muito em termos de reprovação, era uma dificuldade a menos. Achávamos (inconscientes é claro) apenas que tinha um efeito psicológico bom.
Quando ela sugeriu que fizéssemos um trabalho artístico em equipe sobre uma das revoltas que ocorreram no Brasil quando ainda era colônia de Portugal, reconheço que nossa turma também demonstrou boa vontade para com a Professora.
Minha equipe era formada por mim, o Sandro, a Socorro e a Selma. Ao nos reunirmos para decidirmos que trabalho faríamos, tive a idéia de fazermos uma representação teatral sobre a “Guerra das Garrafadas”, uma das revoltas ocorridas quando o Brasil ainda estava sob o domínio de Portugal.
Resolvemos fazer uma adaptação moderna sobre a tal “Guerra das Garrafadas” um tanto cômica para não dizer ridícula.
Ligamos um rádio na sala de aula e começamos a dramatizar uma festa dançante que acabou numa briga onde foram usadas garrafas como armas.
Vocês tinham de ver o Sandro com seu jeito efeminado duelando comigo como se nossas garrafas (de plástico) fossem espadas, no final fui atacado por todos com garrafadas na cabeça, caindo enfim desfalecido no chão com a cara mais sem graça do mundo.
Terminada a apresentação de menos de cinco minutos, sem diálogos ou falas, a sensação que tive é que aquilo não valia um zero como nota.
O “Já acabou!” da professora suou decepcionante. Sua conclusão de nossa intenção foi dita com muita seriedade, mas percebi um “Que bobagem esses alunos, fizeram meu Deus!” em seu rosto, contido por sua educação.
Foi a pior atuação dramática de minha vida, valendo aquele troféu dos piores atores que existe que dá título a este retalho das atividades “super incríveis” do Justiniano de Serpa.


O CARRASCO
A fama do diretor do Colégio dos anos 1983/1988 (José Martinho Leal) era conhecida, era adepto de um moralismo extremado, parecia que não conseguiu sair da época da ditadura militar, proibia do namoro ao uso de roupas mais ousadas; no entanto, o ditador nunca foi visitar nossa sala, nunca o vi em alguma atividade relacionada aos alunos. O substituto dele foi pior (Aldemir Moreira Guerra), pois era uma figura patética, sem nenhum perfil de líder, mas que queria manter o mesmo estilo do seu antecessor.
O meu desprezo pelo diretor só se agravou quando a Socorro expressou preocupação com as exigências do ditador num momento que tentei me aproximar dela numa aula vaga. Em parte achei que nosso romance mais ainda se inibiu por causa daquele chato.
Felizmente ainda no período que estudei no Colégio, o tal ditador foi substituído pela Professora Tânia, com ela os alunos se sentiram mais aliviados, era simpática e dada com os alunos, mas infelizmente não tive sorte, na gestão dela já não tinha contato com a Socorro. Foi uma pena.
O diretor carrasco número um meu foi o Seu Pedro, que dirigia a escola de ensino básico Dr. César Cals, o número dois foi o já citado Seu Edmilsom do Colégio Presidente Médici, o número três foram esses dois do Justiniano de Serpa, que eu trato como um para ver se o volume diminui.
Mas vocês notaram? César Carls, Médici, Justiniano! Todos nomes de políticos ou presidentes brasileiros, o que mostra a covardia desses diretores, que para serem melhores aceitos na ditadura militar não pensavam duas vezes na escolha do nome de seus colégios. Só eram valentes e temerários para os estudantes. Mas aquele tempo passou.
Ontem vocês eram quem mandavam: falou tá falado, não pode mudar! Ontem! Yesterday em ritmo de Carnaval! Ontem!


CRÔNICAS E ROMANCES
Delaías foi o maior palhaço estudantil que eu conheci. Sempre encontramos engraçadinhos, seja no Colégio, na Faculdade, no serviço militar ou no escritório, mas o Delaías ganhou o troféu dos que eu conheci. O Justiniano de Serpa teria ficado bem mais triste se o Delaías não estivesse conosco. No primeiro ano do Segundo Grau, ele não fazia parte da minha turma, pertencia a turma rival, a 1ª A, mas no Segundo Ano nós estudamos juntos, e ele se mostrou para mim realmente uma graça dentro e fora da sala, com um humor que enfeitava a rigidez do clima na sala de aula.
Tive a oportunidade de me encontrar com ele em 1998, na praça do BNB, no Centro de Fortaleza, onde conversamos um longo tempo; sendo ele do tipo hilariante aproveitei para lhe falar sobre meus escritos, principalmente as crônicas de humor. Para que o leitor também se deleite selecionei algumas que compõem o livro {(SURPRESA!)}:


OBS.: Note que algumas possuem uma métrica de quatro parágrafos que formam pelas letras iniciais meu pré-nome, também é valioso notar que foram escritas durante um espaço de 2 meses, ou seja, eu provei para mim mesmo que inspiração nem sempre é o principal fator para se escrever de modo criativo.

ASSALTOS – 21.08.97
Aquele assalto foi único. Todos ficaram sem saber inicialmente porque os estranhos salvadores da semana passada tinham resolvido roubar o banco.
Da outra vez, 7 criminosos foram rendidos por esses quatro sujeitos. Após impedirem o roubo cuidaram logo em ir embora, o que se deduziu, que não queriam badalações.
A repercussão da atitude heróica dos quatro cidadãos virou manchete nacional.
Só agora se sabe o que aconteceu; houve uma incrível coincidência na hora do assalto. Quando viram o problema, os assaltantes resolveram impedir o crime que atrapalhava o deles. Passada a semana, concluíram o plano original.
O sindicato dos assaltantes de Bancos Segurados pensa agora em criar uma tabela para evitar tais confusões.

O DEFUNTO – 21.08.97
Já tínhamos o clima de velório. Rostos de quem toma remédio ruim e óculos escuros em toda parte.
Flores, lágrimas e muito choro.
Os filhos da finada eram desolação e inconformação. Ouvia-se o “mamãe!” e o “ai, minha mãezinha!” o tempo todo, e isso ia no profundo da alma.
As vizinhas fofoqueiras estampavam sua tristeza, mas de olhos bem abertos.
Declarações adjetivadas da morta eram tantas que parecia moscas em açúcar derramado.
De repente chega a limosine preta, o alvoroço é geral e o “já chegou!” é dito e redito.
O caixão é cuidadosamente acomodado e os olhos ficam nele presos.
A tampa é aberta, e surpresa!
Lá está deitado um branquelo com um buraco na testa. Mas que ironia, o Instituto Médico Legal resolveu trocar a finada logo pelo bandido que a matou.
O que se viu foi uma malhação do Judas. O defunto morreu de novo com tanta paulada e chute, o caixão foi quebrado no cadáver. Logo a mortalha foi rasgada, o que facilitou a castração do defunto com um golpe feroz. As mexeriqueiras vibravam, iam ter conversa para o resto da vida. Em minutos o velório virou festa em fim de campeonato. Mas o pior não foi isso, na casa do brancoso não houve velório, foi logo levado para o cemitério, sem padre nem vela foi enterrado, não pensaram nem em abrir o caixão.

O TRIÂNGULO – 21.08.97
Não entendo como você nunca pagou uma multa de trânsito sem ter nenhuma despesa com estacionamento. Só pode ser sorte! Afirmava espantado João para seu primo. Mas nada havia de sorte, era malandragem mesmo. Dias depois, tudo ficou esclarecido.
Trafegava João tranqüilo quando de repente se deparou com o carro do primo no acostamento com o capô levantado. O triangulozinho na frente do veículo claramente falava que o carro do primo estava com algum defeito.
“ Pelo menos nisso somos iguais”, pensou João tentando se consolar. Parando o carro, foi ajudar o primo. Mas encontrou o veículo vazio, na certa ele teria ido telefonar para alguma oficina mecânica, mas enquanto pensava nisso, seu primo surge com um largo sorriso, fecha o capô, guarda o triângulo e diz enquanto sai: “É melhor você fazer o mesmo no seu, se não algum guarda te multa”.

ADIANTADO – 22.08.97
Minha primeira reação ao acordar foi olhar para o relógio. Gelei. Estava com mais de uma hora de atraso para o trabalho. Entrei em desespero. Troquei de roupa num ritmo alucinante. Os costumeiros rituais de desintegraram automaticamente nos movimentos duplos para ganhar tempo. Descartei o escovar os dentes e o sagrado café da manhã. Sai voando de casa se deparando com o clarão do dia que ofuscava meus olhos sujos.
Corri em desespero até o ponto do ônibus. Sua demora foi uma eternidade. Meu relógio parecia uma tela de cinema, não desgrudava os olhos dele. Tentei pentear os cabelos com as mãos. Terminei o laço do sapato. O que não dava para controlar eram as batidas do coração.
Com aquela aparência evitei olhar para os passageiros quando subi no ônibus. O trocador deve ter tomado um susto. Quando fui procurar um lugar para sentar é que observei o ônibus praticamente vazio, foi o momento que lembrei: ontem foi Sábado”. O jeito foi descer e ir para a Escola Dominical mais cedo.

FOGO – 25.08.97
Foi quente. Eu suava e minha respiração estava alterada. Todo o meu corpo ardia. Ele queria me devorar e eu estava em chamas, sentia a tontura, já entregando os pontos. Estava envolvida, perdida nas chamas. Os pêlos de minhas pernas formigavam, elas estavam expostas. Sem pensar comecei a tirar as minhas roupas. Eu tinha sede, muita sede. Era uma loucura. A cama incendiava. Eu era apenas uma mulher indefesa, e ele era tão grande, incontrolável, sentia-me pressa e dominada. Estava a cada segundo mais forte.
O jato daquele precioso líquido me molhou toda. Ri de satisfação. Aquele homem foi demais. Abracei-me com todas as forças. Sentia-me segura. Aquele bombeiro salvou-me daquele incêndio incontrolável, foi um herói.

O ANO INTEIRO – 25.08.97
Assim que João olhou para a Laurinha ele se apaixonou. Havia nela um jeitinho que o seduziu por completo, e isso por todo o ano letivo. Ela foi seu grande amor da Sexta Série, e um amor declarado, pois logo no Segundo Bimestre ele deixara um bilhete de amor no seu caderno, nele, continha a revelação em poesia de tudo o que por ela sentia, e pior, estava assinado, coisa que lamentou terrivelmente; durante todo ano ele se sentiu sem jeito e envergonhado, foi uma tortura. Certa vez, num trabalho de equipe de matemática, ele teve a indigesta situação de tê-la em sua equipe. Foi horrível.
“Não, só fazemos transferência para outra turma, exatamente porque os professores e o ensino ministrado é o mesmo para todos”. Foi a resposta do diretor quando lhe pediu para fazer sua transferência para outra sala. Ele já não agüentava mais.
Naquela carta em que ele chamava a Laurinha de “meu Sol Radiante”, todo o seu coração foi desvendado para uma garota, que disfarçava muito diante dele seu conhecimento.
Mas a maior revelação aconteceu no final do ano, foi logo após o última prova do quarto bimestre, que marcou o fim do ano letivo. Ele estava no ponto do ônibus quando a “Balão Mágico”, a gordinha de sua sala, chegou até ele para cumprimentá-lo pela aprovação do ano: “Parabéns João, estou contente por você ter passado de ano, parece que no ano que vem continuaremos a estudar juntos na Sétima Série. Ah, e obrigada pela carta eu achei muito bonita”. Foi quando João lembrou que as meninas costumavam emprestar os cadernos escolares às outras.

TIRO CERTO – 25.08.97
O tiro despertou minha adrenalina. Minha pronta reação foi correr. Meu coração batia tão rápido quanto meus passos. Estava agora numa péssima situação por um vacilo meu, um erro que não deveria ter cometido. Minha vida estava em jogo.
Não tinha tempo para pensar, concentrei em meus passos, não podia errar, se tropeçasse seria meu fim.
A ameaça se aproximava. Já haviam ocorrido dois tiros e um estava morto, tinha sido eliminado. Mas agora eu estava na frente e era o que tinha toda a atenção.
Aqueles momentos foram angustiantes e tudo chegou ao fim em meu peito. Ganhei os cem metros rasos.

CENTENAS DE MORTOS – 26.08.97
Se via pedaços de tecido humano em toda parte. Mãos, cabelo, ossos, pulmões, fígado... era uma cena horrível, realmente dantesca.
A bomba que explodiu naquele lugar foi de grande efeito, deixou uma verdadeira cratera no exato lugar onde estava.
Aquilo foi um esquartejamento. Deveria Ter destroços orgânicos de umas quinhentas pessoas das mais variadas idades, todos misturados com areia, pedra e mato.
Era um sacrilégio e uma tragédia ao mesmo tempo. Mas não houve nenhuma vítima fatal.
Quem faria uma coisa dessas, explodir uma bomba num cemitério?

O PASTELÃO – 27.08.97
“Foi o pastel!” Foi a única coisa que me veio a mente para dizer ao meu amigo que acabara de me fazer cócegas na cintura. Nós tínhamos esse costume de assustar um ao outro desde o tempo do ginásio.
A surpresa é uma coisa emocionante, é o botão de adrenalina de nosso corpo; ela é a força dos filmes de terror, ninguém se apavora de fato com os monstros e seres horríveis desses filmes, o segredo deles está na música vibrante que provoca o suspense e em seguida o susto.
Quando o Carlos me provocou o susto, eu relaxei por um momento, mas foi o suficiente para eu viver um verdadeiro terror.
Eu estava concentrado, minha força de vontade controlava o inevitável, era, e é, uma situação horrível, mas bem pior foi o que se seguiu. Por causa do repentino toque de surpresa, o mundo veio a descobrir um homem que precisava ir ao banheiro. Foi o pastel.


O MERGULHO – 28.08.97
Não havia tomado café ainda, devia ser umas cinco da manhã. Estava absorvido em meus pensamentos enquanto subia a escada da plataforma. Sempre gostei de iniciar o Domingo com um bom banho de piscina.
Estava meio aéreo, geralmente ficamos assim de manhãzinha. Em cima da plataforma fiquei um tempinho com o olhar perdido. Lembrei de Carla, acho que deveria ligar para ela, quem sabe tudo poderia ser como antes, dizia comigo.
Concentrado dei três passos rápidos para ter impulso, estiquei meu corpo e lancei-me ao ar. Quando olhei para baixo, e era a primeira vez, vi o fundo azul da piscina. Minha mãe sempre reclamou da minha falta de atenção, mas não notar que a piscina estava seca, foi demais.

REPRESENTAÇÃO – 29.08.97
Litros e litros do melhor Whisky importado estava derramado na seção de bebidas daquele supermercado.
Um rapaz de uns vinte e cinco anos tivera uma convulsão epiléptica derrubando uma coluna, o prejuízo era enorme.
Imediatamente um pequeno agrupamento de pessoas se formou para ver os frenéticos movimentos do rapaz. Todos lamentavam consternados.
Segundos após a ambulância sair levando o homem ainda inconsciente, ele despertou aliviado dizendo para o enfermeiro: Dessa me livrei, já pensou ter que pagar todas aquelas garrafas que derrubei!

SUPERMERCADO – 01.09.97
Legumes, frutas, carnes e muito mais, o primeiro carrinho já estava lotado. Sem demora a mulher apanhou outro carrinho e começou também a enchê-lo, em seguida outro e mais outros.
Uns trintas carros já estavam carregados de mercadoria. Todos no supermercado ficaram surpresos.
Indiferente aos observadores, a mulher continuou a encher carros e carros.
Sem diferença é a nossa vida. Fazemos tudo o que quisermos, Deus nos dá plena liberdade nessa vida, no entanto, assim como aquela mulher terá que passar pelo caixa, do mesmo modo teremos que prestar contas com Deus.

A GUERRA – 02.09.97
Lutou por muito tempo, era algo admirável. Durante o combate se perguntava por que não era ferido. Eram tantos oponentes.
Uns vinte já haviam sucumbido aos golpes do seu fuzil, que depois de vazio se transformou numa espada mortífera.
Invocando suas últimas forças aquele Capitão desferiu mais um golpe fatal. Sua última lembrança foi a dos inimigos lhe segurando, o que o fez desmaiar perguntando: “Por que não me matam?”
Sabe o que aconteceu, foi doloroso. O Capitão César Mirtom, num momento de confusão se voltou contra os próprios companheiros. Mas para mim não importava, na guerra matamos nosso semelhantes de qualquer forma, ela é a loucura consciente, e isso, isso é bem mais bárbaro.

AS SEXTAS-FEIRAS – 02.09.97
Latidos se ouvia pelas ruas do bairro Vicente Pinzon nas noites de Sexta-Feira. Alguns cachorros tinham sido encontrado mutilados, todos decapitados, e isso se dizia era obra de Lobisomem
Uma caçada ao monstro foi até planejada. A turma do Kung Fu encabeçado pelo Paulo Henrique pensava em fazer plantão nas Sextas para capturar o animal folclórico.
Surtiu efeito por algum tempo aquela estória, mas depois tudo foi descoberto. Uma das moradoras do bairro estava traindo seu marido e para disfarçar criou a conversa de Lobisomem. Quem se transformou em animal foi o marido dela, primeiramente em alce de depois em leão. Foi surra e tapa que só terminou na cadeia, uma selvageria desmedida do homem para a mulher que lhe traiu e todo o bairro.

O IMITADO – 02.09.97
Lamentável, mas é verdade, ele tem toda sua vida numa folha de papel. Pelo que se sabe não casou, nada fez de interessante, até parece que nunca existiu.
Uma vida pobre e sem frutos, apesar das inúmeras oportunidades que teve. Acredita-se que era órfão. Quase mudo, porque nunca falava. Não discordava. Sua presença não era notada. Um autêntico bom figurante.
Infeliz vida, oca e sem valor algum. Não se sabe qual era sua religião. Não teve amigos, nem história. Não aborreceu, mas não agradou ninguém.
Sem comentários é seus anos. Nada deixou e seu verdadeiro nome se esqueceu. Em meados de 1988 desapareceu sem deixar vestígios. Era conhecido por NUNCA se arriscar.

D.P.N. – 04.09.97
Loucos para existirem estavam todos os não-nascidos. Apesar do Departamento de Permissão para Nascer (D.P.N.) deixar claro que na existência ele poderiam serem conduzidos ao castigo eterno, todos não tinham dúvidas: queriam existir.
Uma argumentação comum de muitas pessoas, a de não ter pedido para existir, cai assim por terra.
Inconformados ou murmurantes, todos os homens optaram por existir antes de nascer, mesmo que isso seja ficção, todos nós faríamos essa escolha.
Sem muitas palavras, a vida é fantástica e fenomenal, nosso destino final deve-se a nós mesmos. Se escolhemos nascer não sei, mas que temos a chance de decidirmos nossa eternidade, isso temos. A idéia aqui proposta não é a sombra do argumento que refuta a queixa de não se ter pedido para nascer, só queria deixar claro que existem justificações para Deus e para o que julgamos absurdo, ilógico, confuso e injusto.

O ÚLTIMO CRISTÃO – 10.09.97
“Liquidado está o cristianismo, só um cego não ver isso”. Disseram ao último cristão. Tudo tinha sido esclarecido pelos extraterrestres. A fé em Deus ou em Jesus Cristo tinha sido destruída. Todos foram convencidos, apenas ele relutava, e não era simples nostalgia religiosa, era fé mesmo, ele cria na velha história da redenção, apesar das explicações satisfatórias dos alienígenas sobre as questões intrigantes da vida, do mundo, do universo e da morte.
“Um louco!” Todos diziam do último cristão, mas sua fé era viva e pregava sem parar o velho Evangelho.
Impressionado com a fé daquele homem, os alienígenas resolveram ajudá-lo. Criaram um Céu para ele, um Deus e um Jesus, fizeram tudo de acordo com sua fé e esperança. E assim tudo o que o homem cria acabou se cumprindo.
Sem dúvida, esse relato é uma ficção, mas serve muito bem para ilustrar que um homem de fé em Deus nunca será decepcionado.

É NÃO-ALEGRE PARA RIR OU PARA CHORAR? – 29.09.97
Luminosidade fraca, mal pavimentada, torta... há mais de dez anos assim está minha rua. Mas é mesmo, não estou agora brincando, estou aproveitando o espaço para reivindicar providências.
Um descaso total e absurdo. Se por acaso minhas crônicas tiverem repercussão mundial (doce presunção) eis aqui uma para envergonhar os prefeitos de Fortaleza da década de oitenta e de noventa. Eu acho é bom (há, há, há!).
Isso que vem acontecendo com a Rua Titan (ou Amâncio Filomeno – Vejam bem: A rua tem dois nomes e ainda se esquecem dela!) é um descaso e uma lástima, e a tal desculpa esfarrapada de dizer que nossa Rua vai ser transferida, porque o Cais do Porto irá ser expandido é para desenvolver nariz de Pinóquio e duplamente triste. Primeiro porque fica a sombria ameaça deu perder minhas lembranças de infância e segundo porque não justifica, as outras Ruas, todas, todas mesmo, foram reformadas (é... foi reformas de tempo mensal, pois na primeira chuva se desmancharam, mas foram reformadas). É triste (húuuuu...!! ‘é um choro vaia’).
Salvem minha rua, salvem minha rua pessoal!!!

NOVO OESTE – 16.08.00
Lutar é normal, cada oferta de emprego é disputada a suor e sangue, este é o futuro.
Ultra-chance foi o nome dado as duas vagas oferecidas pelo anúncio de jornal.
Incrível! quatro valiosíssimas vagas para esvaziadores de baldes de lixo, é a maior oferta de emprego desses dois anos da década de 10 do Século 21.
Somente dois dos quatrocentos mil candidatos restaram para o duelo final. Um... dois... três... bang! O pistoleiro número dois agiu sem nobreza e atirou pelas costas antes de terminar a contagem até dez que revelaria o mais rápido e ganhador da vaga.

Mas voltando ao Delaías, ele era tão perfeito nessa característica de comediante que até parceiro tinha no Colégio, formando uma dupla, como o Jerry Lewis e Dean Martin, ou o Gordo e o Magro, tratava-se de um outro engraçadinho da sala vizinha, que quando se encontrava com o Delaías, simulavam uma briga de gays por território, com direito a Gilette9 (imaginária) escondida debaixo da língua e tudo. Era impagável! Ver eles com jeito e voz de homossexuais, simulando um duelo de Gilettes, nos matava de rir.
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9lamina de barbear

Questionado por Delaías se eu não pensava em escrever um romance, falei que sim, mas que fosse sem muitas descrições vãs, que possuísse diálogos reais e um enredo com várias vertentes e não apenas centralizado numa estória de amor piegas e sem nenhuma conexão com a realidade; um romance que fizesse o leitor pensar, aprender e ser levado a questionar valores e ideais, que fosse curto e essencial, sem preenchimento de lingüiça com palavreado garboso e enfeitado, usado mais para esconder a falta de idéias e dar volume do que qualquer outra coisa. Defendo que o romance sirva como um modo de preservar uma época, de criticá-la, compará-la e extrair suas lições, de procurar trabalhar os sentimentos humanos para uma aplicação prática e real. Ele concordou comigo e me incentivou muito para que levasse avante meus escritos.
Mas era admirável ver o velho “cabeção” (ele tinha uma cabeça enorme, parecia ter uma cabeça de adulto num corpo de criança) depois de tanto tempo, ainda possuindo o jeito engraçado escondido na aparência responsável. Falou do fato de ser professor com tanto entusiasmo, que julguei que para ele, dar aulas era como ter um orgasmo. Ah, se minha geração tivesse tido professores como ele!


GUERRAS ESTUDANTIS
Estávamos já no terceiro bimestre de 1987 quando um grupo de alunos de várias salas veio me procurar para que os ajudasse na luta que haveria contra um colégio rival, chamado Juvenal de Carvalho (ou era Fênix Caxeiral), um outro grupo de alunos desse Colégio tinha agredido uma turma do nosso, pelo que entendi, e eles, sabendo que eu treinava artes marciais acharam por bem me chamar para a luta.
O grupo passou a se reunir nos intervalos das aulas e no final da Educação Física, sempre havendo o incentivo mútuo para que lutássemos com valor. Eu sempre procurava me inteirar sobre o outro grupo, de como tudo aquilo tinha começado e como haveríamos de atacar os adversários, mas as respostas que me davam eram sempre vagas e ocultadas pelos ânimos do grande encontro.
O banheiro masculino veio a ser o lugar de encontro daquele grupo e um clima parecia se formar para o grande confronto. Eu comecei a ficar um tanto preocupado, pois uma guerra de gangues de estudantes em pleno centro comercial da cidade me parecia algo muito arriscado.
Durante umas duas semanas o zum-zum da luta correu pelo colégio entre os rapazes, as meninas ignoravam completamente aquela história de guerra entre Colégios, tratava-se de um assunto que dizia respeito apenas aos garotos. Eu continuava preocupado e me sentia mal pela expectativa de ter de usar minhas técnicas de artes marciais em lutas reais, mas me senti constrangido, havia uns três alunos da minha sala e ficaria feio eu me esquivar de lutar com o grupo, além do mais eles depositavam muita confiança em mim. No entanto, sugeri que nas lutas, evitássemos usar a farda do Colégio.
Um dia então foi marcado: sexta-feira depois das aulas. Segundo o combinado nos encontraríamos com a gangue rival no bosque Pajeú situado nas proximidades da Câmara dos Dirigentes Lojistas (C.D.L.). Achei estranho escolherem um espaço tão bonito para ser o palco de um confronto, era bem mais ideal para namorar e não lutar, mas como já estava marcado e a ansiedade da guerra era mais intensa que minhas reflexões, não procurei me aprofundar em meus questionamentos.
Chegada a sexta-feira, não me fiz de rogado, lá estava eu com o grupo no portão de saída do Colégio, guardadas as camisas da farda, como eu recomendei, nos dirigimos para a praça, lembro-me que estimulei meus instintos de luta e me sentia já na expectativa de brigar pra valer. Mas não houve luta, não havia nenhum aluno do Juvenal de Carvalho, alguns julgavam ser uma armadilha, onde nossos adversários esperavam que nos separássemos para então nos atacar, por isso decidimos sair juntos e nos separarmos apenas quando estivéssemos em outro lugar.
Na semana seguinte, as reuniões da gangue pararam de acontecer, bem como as conversas de lutas extra-escolares. Passei então a perceber que toda aquela história não passava de invenção, era tudo fruto da imaginação daqueles jovens com desejos de aventura, nunca houve rivalidade entre os alunos do Juvenal de Carvalho e o Justiniano de Serpa, as rixas, ataques e contra-ataques só existiram na fantasia; tínhamos nos reunidos contra inimigos invisíveis, acreditando que eles também se reuniam para planejar contra nós. Toda aquela movimentação não passou daquilo que chamam de histeria coletiva imaginativa, éramos Dons Quixotes combatendo contra moinhos de vento.
Avaliando hoje, eu vejo com bons olhos aquela fantasia dos garotos, assim como na maturidade, eu passei a entender melhor as adaptações que o fictício Dom Quixote fazia da vida real; em Dom Quixote, encontramos um homem que na ânsia de não se ver obsoleto pelos tempos modernos, passa a imaginar para não se sentir morto, apesar das situações ridículas que ele acaba se submetendo, ele tinha a genialidade de criar. Aqueles jovens também se sentiam ultrapassados, deslocados e desprezados pelo sistema, desvalorizados, mas tiveram a imaginação de planejar aquela guerra de Colégios, que felizmente nunca houve, para se realizarem.


GERAÇÃO TELEVISÃO
Em nossa época, já se falava em computação, os nomes Basic, Cobol, Lotus I, II e III eram conhecidos como cursos de computação e no período muita gente gastou uma boa grana para entrar naquela pré-geração de informática, de minha parte, aquilo era impossibilitado, meu pai apesar de ter um bom salário de servidor público (era policial civil com todas as vantagens que a ditadura militar possibilitava), era muito econômico, para não dizer avarento ou mão-de-vaca, e assim, nem cogitava em tentar convencê-lo a custear aqueles cursos para mim; e por sorte foi até bom, seria desarmonioso para com meus colegas, mais carentes; aliás, todas as minhas carências da época hoje se mostram bastante benéficas, mas na época foram terríveis. Duas delas que gostaria de relatar foi a falta de TV e de um curso de datilografia.
A ausência de TV na minha casa em boa parte da década de 80, de 1982 a 86, não se deu por dificuldades financeiras, mas por uma briga entre eu e meu irmão mais velho no início década de 80. Por causa dela meu pai resolveu nos privar do aparelho de televisão, o que por um lado foi horrível para mim, mas por outro, maravilhoso, não podia mais estar antenado com meu tempo pela TV, mas vivi mais intensamente nele, ao vivo, e desenvolvi habilidades que nunca talvez pudesse pensar que possuía se estivesse ficado paralisado diante da Televisão, como o desenho, o Kung Fu, a Filosofia, a meditação e a arte de conviver com as pessoas. Até mesmo minha comunhão com Deus foi facilitada pela perda da TV, pois lembro que em 1982 fiz uma visita com minha querida vó à casa de minha tia em Pacajus, onde todos eram protestantes piedosos e dedicados a religião, o que me cativou, mas ao mesmo tempo me horrorizou, pois segundo eles assistir TV era pecado e incompatível com um servo de Deus, isso foi uma facada em meu desejo de ter uma vida religiosa mais intensa, pois era impensável para mim viver sem assistir televisão, ficar sem os filmes de “Homem De Seis Milhões de Dólares”, “Perdidos No Espaço”; “Terra De Gigantes”; “O Homem Do Fundo Do Mar”, “Túnel Do Tempo”, “Jornada Nas Estrelas”, os desenhos animados e os filmes da Sessão Da Tarde, era impossível, impossível!
Hoje a família de minha tia nem pensa em viver sem televisão, minhas primas são ninfomaníacas de carteirinha registrada e me consideram um crente quadrado por cuidar do mínimo em relação a uma vida digna, justa vinculada aos preceitos da Bíblia. Mas cada um vive como quer! Só lamento ter ficado tanto tempo sem vivenciar um relacionamento com Deus por causa de um preceito circunstancial, temporal e estúpido. E o pior, ter vivido boa parte da minha vida me sentindo um desprezador de Deus.
Mas aquela minha dependência da Televisão não deixava de ser aquilo que se chama na teologia de idolatria, ou seja, amar alguma coisa mais do que a Deus, e no fundo apesar da tenra idade (11-12 anos), eu sabia disso.
Quando então ficamos sem TV e eu sobrevivi, percebi o valor da verdade que eu sempre aponto com essa ilustração em minhas aulas bíblicas:
“Certo menino ganhou uma moeda de seu pai antes dele ir para o trabalho, preocupado em guardá-la num lugar seguro, o menino a pôs num vaso. Depois quando tentou pegá-la, sua mão ficou presa dentro do vaso, o que foi um desespero para sua mãe, que tudo fez para conseguir tirar sua mão sem ter de quebrar o objeto. Quando seu pai chegou e analisou a situação, teve a idéia de perguntar ao menino: “Filho, você consegue abrir a mão dentro do vaso? , ao que o garoto respondeu “Mas papai se eu abrir a mão a moeda vai ficar no vaso”. Seu pai riu ao perceber que seu filho na ânsia de ficar com a moeda tinha ficado com a mão presa simplesmente porque ela estava fechada, e disse, ‘não importa eu lhe darei outra’, de imediato o menino tirou a mão do vaso, ficando depois com as duas moedas.”.
Assim estão muitas pessoas que deixam de ter uma vida cristã porque não querem abandonar seus desejos, atitudes erradas e vida sem ética e moral, quando desistirem disso por Cristo e sua doutrina, descobrirão como estavam iludidas e o que pensavam que iam perder na verdade ganharão em dobro.
Mas voltando aos anos 80, eu diria que nossa geração foi a geração televisão enquanto esta agora é a geração informática. A vantagem da nossa em relação a esta que está aí, em minha opinião, é que nem tudo que passava na televisão era de nosso interesse, e por isso podíamos viver mais a vida real. O mesmo não se pode dizer dessa nova geração, os recursos multimídia e as maravilhas dos programas de computação com jogos em 3D e tudo, fascina a tal ponto que os jovens não conseguem mais sair do computador ou do vídeo, e assim perdem a vida ou boa parte, ou as que poderiam ser as melhores partes. Deve servir de advertência o prognóstico da tal TV computadorizada, será um meio de praticamente matar todo o espaço livre de nossa vida.
Já minha outra carência, a datilografia, só foi superada, quando suportei nas vésperas da revolução do Windows 95, o antigo curso de Datilografia do SENAC (Serviço Nacional do Comércio), o que se mostrou ser essencial, pois hoje sou um dos poucos que digitam sem olhar para o teclado do computador. Defendo que todos os jovens devam primeiro fazer um curso de digitação antes de partir para os programas informáticos mais avançados, quando o Windows 95 foi lançado, eu estava preparado para ele, nos cursos de informática que fiz sempre fui o melhor devido a agilidade advinda da datilografia.
A geração dos anos 90 muito foi prejudicada pelo acesso rápido ao computador e a Internet, é lamentável ver os trabalhos escolares todos imprimidos e bonitos, mas sem possuírem o relativo esforço e estudo, não passam de textos tirados da Internet, não há pesquisa, leitura comparativa, análise, escrita e digitação. Aconselho aos novos professores que só aceitem trabalhos manuscritos, se não a mediocridade irá progredir até não termos mais segurança se um médico sabe mesmo medicina ou não.
Detesto tecnologia preguiçosa, uso o computador pela praticidade que ele oferece, mas meus livros ainda são escritos e corrigidos originalmente na caneta, minha alegria é ver o computador grifando minhas palavras certas como erradas quando estou digitando os manuscritos, pois prova que meu vocabulário é mais rico que o da máquina. Sempre evito programa de computação muito facilitadores que me desobrigam de pensar. O que falta é os jovens dessa geração saber conviver com os avanços tecnológicos, dou graças a Deus porque a leitura feita na tela do monitor é desagradável, pois obriga ao displicente estudante a ler utilizando-se do texto impresso. Algumas vezes eu entrei nessas salas de bate-papo (deveria ser bate-tecla, mas a falta de originalidade anda abundante) e vi as bobagens curtas que essa geração diz e pensa. Digo “curtas” porque percebi o mesmo problema de lentidão na digitação, é tudo cheio de abreviaturas como se fossem gírias, marcas claras de preguiça de pensar, ler, estudar e procurar se comunicar com desenvoltura e brilhantismo.
A cada nova geração o homem vai diminuindo na arte de pensar, porque falta o básico, todos nós precisamos do básico, ninguém passa por cima dele sem ter prejuízo, é isso que deve ser dito aos novos estudantes, se não, nem sequer veremos médicos operando com os livros abertos e os hospitais se transformarão em verdadeiros IMLs.


OS BANHEIROS
Espelhos?! Nem pensar! Os banheiros do Justiniano de Serpa refletiam o próprio Colégio, eis o espelho!
Sim, era lamentável ir aos banheiros do Colégio, graças a minha alimentação simples, minha disciplina com os horários das alimentações (afinal, eu chegava em casa às onze e uma hora e trinta minutos depois já saía para o outro Colégio) e a saúde de ferro que herdei de meu pai, nunca precisei usar o banheiro, a não ser para urinar e tomar uma ducha depois da educação física. E não tem nada de procurar ser nobre ou luxuoso não, era a sensação de má higiene mesmo, mas se tivesse necessitado de me aliviar o ventre, não me faria de príncipe cheio de regalias, o sofrimento da África tinha me sensibilizado no clipe e nas cenas do USA FOR ÁFRICA, evento em que os astros da música pop americana se reuniram para gravar um disco em favor do país africano, e desde então não me importei mais com privilégios. Mas um banheiro decente não custaria nada para o Estado.
Mas falando em USA FOR ÁFRICA, foi uma pena ninguém nunca ter feito uma traducão da letra para o português, assim para remediar essa falha:


WE ARE THE WORLD
Nós somos o mundo

There comes a time when we heed a certain call
Está chegando a hora quando nós devemos prestar atenção para o chamado

When the world must come together as one
Quando o mundo deve se juntar como um
Letra de Michael Jackson dos anos 80 e de Lionel Richie
There are people dying
Há pessoas morrendo

And it’s time to lend a hand to life
E é hora de darmos as mãos para a vida

The greatest gift for all
O maior presente de todos

We can’t go on pretending day by day
Nós não podemos continuar fingindo dia após dia

That someone, somewhere will soon make a change
Que alguém, em algum lugar fará logo uma mudança

We are all part of god’s great big family
Nós somos parte da grande família de Deus

And the truth, you know, love is all we need
E a verdade, você sabe, o amor é tudo que precisamos

Chorus:
Refrão:
We are the world, we are the children
Nós somos o mundo, nós somos as crianças

We are the ones who make a brighter day
Nós somos os únicos que fazemos um dia brilhante

So let’s start giving
Então vamos começar ajudando

There’s a choice we’re making
Existe uma escolha para nós fazermos

We’re saving our own lives
Nós estamos salvando nossas próprias vidas

It’s true we’ll make a better day
É verdade nós fazemos um dia melhor

Just you and me
Juntamente eu e você

Send tem your heart
Enviando a eles o seu coração

So they’ll know that someone cares
Então eles saberão que alguém se importa com eles

And their lives will be stronger and free
E a vida deles será forte e livre

As god has shown us by turning stones to bread
Como Deus tem mostrado para nós com transformar as pedras em pão

So we all must lend a helping hand
Então todos nós devemos dar uma mão amiga

Chorus:
Refrão:
We are the world, we are the children
Nós somos o mundo, nós somos as crianças

We are the ones who make a brighter day
Nós somos os únicos que fazemos um dia brilhante

So let’s start giving
Então vamos começar ajudando

When you’re down and out, there seems no hope at all
Se você virar o rosto e sair, então não haverá esperança para ninguém

But if you just beleieve there’s no way we can fall
Mas se você apenas acreditar que não existe caminho para o fracasso

Well, well, well, well let us realize that a change can only come
Bem, bem, bem, bem vamos realizar aquela mudança que pode vir

When we stand togethe as one
Quando nós nos juntarmos como antes

Chorus:
Refrão:
We are the world, we are the children
Nós somos o mundo, nós somos as crianças

We are the ones who make a brighter day
Nós somos os únicos que fazemos um dia brilhante

So let’s start giving
Então vamos começar ajudando

There’s a choice we’re making
Existe uma escolha para nós fazermos

We’re saving our own lives
Nós estamos salvando nossas próprias vidas

It’s true we’ll make a better day
É verdade nós fazemos um dia melhor

Just you and me
Juntamente eu e você

Chorus:
Refrão:
We are the world, we are the children
Nós somos o mundo, nós somos as crianças

We are the ones who make a brighter day
Nós somos os únicos que fazemos um dia brilhante

So let’s start giving
Então vamos começar ajudando

There’s a choice we’re making
Existe uma escolha para nós fazermos

We’re saving our own lives
Nós estamos salvando nossas próprias vidas

It’s true we’ll make a better day
É verdade nós fazemos um dia melhor

Just you and me
Juntamente eu e você


OS REVOLUCIONÁRIOS
Um amigo que tinha feito na passeata do Colégio Liceu do Ceará em 1988 me chamou no intervalo da aulas do Justiniano de Serpa para uma reunião. Eu tinha ficado famoso quando meu cartaz em protesto contra a política do Governo do Estado do Ceará fora publicado no jornal, no cartaz formei com as letras do nome do Governador Tasso10, os dizeres: Tirano, Assassino, Sádico, Sinistro e Opressor. Na reportagem do jornal a matéria falava do descaso que se fazia com a educação pública e que os estudantes em passeata protestavam, das centenas de cartazes da passeata que saiu do Liceu e foi até a concha acústica da UFC, percorrendo várias ruas do Centro comercial de Fortaleza, o meu fora o escolhido pelo jornalista para mostrar a indignação que as centenas de estudantes do Estado sentiam com aquela situação. No verso do meu cartaz ainda havia os dizeres “Coca-Cola você precisa saber evitar!”, onde peguei carona na propaganda do momento que conscientizava sobre o risco da AIDS, na época o Tasso, segundo entendi, era o mais privilegiado pela distribuição do referido refrigerante no Estado e os estudantes estavam incentivando as pessoas a não mais comprar o produto devido a informações de negociações em que havia favorecimento para as empresas do Governador. Por isso para aquele rapaz, eu era do movimento estudantil e não podia ficar de fora daquela reunião marcada para uma sala até então só usada por professores.
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10 Na época atribui a culpa ao governador, mas na verdade não se pode precisar se culpa era dele ou não. Quem estivesse na frente do governo seria criticado. Não há nada de pessoal aqui contra o político Tasso do Estado do Ceará. Mas se ele se sentir agravado, reclame com minha geração.

Na reunião, fiquei sabendo que haveria eleições para o grêmio e que estava ali os alunos mais conscientes da situação da educação do Estado, sendo convocados para formarem uma chapa para concorrermos a escolha do grupo que representaria e defenderia os estudantes do nosso Colégio.
Vi nos olhos daqueles jovens o brilho da aventura pela revolução político-social, senti que os pedaços de cada um de nós se juntavam para criarem um sonho, o sonho de a partir de nosso Colégio mudarmos nosso país e nosso mundo. Fazer a justiça, a igualdade e liberdade reinar de fato e verdade.
Haroldo, que morava na Casa do Estudante, um abrigo de apoio aos estudantes do interior, tinha os cabelos compridos e um jeito rebelde misturado com artista, não foi difícil o escolhermos como nosso futuro presidente do grêmio, concorríamos com a chapa “LUTA” (Liberdade, União, Trabalho e Ação – título dado por mim na reunião, eu já estava ficando bom nesses versinhos) contra a chapa “UNIÃO” e a chapa “QUEEN”, essa última era pura brincadeira de uns bagunceiros que queriam mais se exibir que encarar os fatos terríveis da crise na educação pública, mas o bom humor era saudável e ninguém estava a fim de se embrenhar a fundo naquelas dificuldades se esquecendo de que éramos jovens.
Como vice-presidente foi escolhido o meu amigo da passeata, ele era maduro e calmo e sempre andava com uma agenda, a marca do jovem comprometido.
Estava ali também o Francisco, um jovem também maduro e politizado, que hoje é líder da associação dos comerciantes do seu bairro. A Regina, a estudante mais guerreira que eu conheci, ela falava e lutava com garra e disposição, era ela a que animava e nos encorajava a crer naquele sonho.
Havia mais dois alunos da casa do estudante e duas alunas também batalhadoras e um carinha meio voador que eu não sabia o que fazia ali. Assim estava composta nossa chapa.
Durante a companha para as eleições fomos em todas as salas dos três turnos, divulgando nossas propostas. Fizemos uma boa campanha, nossa equipe tinha carisma e uma tendência de esquerda, o termo “companheiro” da política esquerdista, era muito usado por alguns integrantes da nossa chapa, por causa do meu apelido eu fiquei livre de ser chamado por aquele clichê, “companheiro Shaolin” soava mal para sorte minha.
O cargo que eu visava era o de Diretor de Assuntos Estudantis, pensava em interagir os grêmios do Liceu, Escola Técnica e dos demais Colégios de ensino de 2° grau, queria também ajudar os alunos a terem uma noção de emprego e do vestibular; eu realmente queria ajudar os estudantes.
Como estratégia de campanha o Haroldo chegou a declamar poemas sensuais em algumas salas, eu toquei flauta em outras, mostrando o talento do nosso grupo e tentando dar uma de flautista de Hamelin, conquistando votos pelos ouvidos. Também foi feito um cartaz enorme com as figuras de Lennon, Chaplin, Che Guevara que pregamos na parede do pátio do Colégio, fizemos cobrança de pedágio nas avenidas para conseguir fundos, mas nada adiantou, a chapa da direita ganhou a eleição.
No ano seguinte, 89, meu último ano no Colégio, mais uma vez concorremos nas eleições, agora com a chapa “ALTERNATIVA”, mas no final novamente a chapa da direita foi vencedora. Havia nela um carinha que tinha ganhado muita fama no ano de 87, tinha um jeito de responsável e líder que atraía todos os votos (como uma vez me mostrou a Socorro, que me preparava para a derrota, ela nunca deixou de se preocupar comigo, apesar deu lhe ter tratado tão mal). Nossa chapa por sua vez tinha um aspecto muito de rebeldia e isso, parece não agradava os alunos politicamente corretos, foram com certeza esses dois detalhes que nos fez amargar duas derrotas seguidas.
Mas meu amigo Haroldo continuou, e segundo soube nos anos 90 nossa chapa, agora com a liderança dele e de Michelle, uma aluna ultra-revolucionária, mais forte e impactante por ser uma garota, se logrou vencedora, e ele com a nossa idéia fixa de “eleições diretas para diretor escolar”, muito ajudou a conquistarmos esse direito. No entanto, Haroldo e Michelle acabaram se envolvendo com partidos políticos, o tema grêmio livre se tornou anarquia infrutífera, os anos 90 foram horríveis. Os revolucionários herdeiros do sonho perderam o foco nos alunos, olhavam para a Educação Pública de qualidade como um sonho distante que deve ser conquistado com lutas e sacrifícios atuais, enfim eles fizeram uma utopia, e os alunos reais com seus problemas pequenos, como desânimo para estudar, anseio irresponsável por brincadeiras, falta de dinheiro, crises familiares, desorientação, ficaram esquecidos, segundo soube, o Colégio de tornou um perigo, alunos drogados, sexo nos banheiros, rebeldia grosseira, foi um inferno para os funcionários e professores. E o grêmio só se preocupava com política, em fazer passeatas e piquetes irrelevantes, que sequer eram noticiados na mídia. Foi grito e barulho para eles mesmos ouvirem e, o pior, perderem seu tempo.
Anos depois (no meio da década de 90) encontrei o mesmo idealista político Haroldo lutando para que um novo partido político fosse aceito pelos órgãos encarregados das eleições, ele continuava com os mesmos cabelos compridos de John Lennon, fiquei feliz de ver que sua vocação política estava viva e incansável, tinha orgulho dele.
Anos atrás (2002) tive o privilégio de encontrar o velho Haroldo, mas estava outro, desiludido com a política e achando que o Brasil estava vendido e sem solução, sua desesperança me entristeceu, e externei isso, ele, contudo, me disse:
– Não Shaolin, foi muito melhor assim, pior era eu ficar me iludindo.
E assim vi o fim daquele sonho que surgiu naquela sala de reunião do Justiniano de Serpa, em 1988, onde adolescentes formavam sua chapa para concorrer ao direito de ocupar o grêmio do Colégio para lutar por um mundo melhor. O Haroldo foi o último a reconhecer que o mundo é um sistema inquebrantável, foi o último a admitir que não podemos mudá-lo. Como disse o John, o Haroldo repetiu: “O Sonho acabou!”

MUDAR...
Queríamos qualidade no ensino, desejávamos concorrer em pé de igualdade com os alunos dos Colégios particulares.
Mudar o sistema, mudar o mundo, mudar a cabeça das pessoas.
Lutamos...
Tentamos e brigamos...
Suor se derramou no caminho, mas a esperança estava a frente.
Vamos lá companheiros!!
Temos que revolucionar!
Se ganharmos iremos...
Se ganhar eu irei...
Se ganharmos mudaremos, quem sabe faz hora, não espera acontecer.
Mudar o mundo!
Mudar o mundo era o que queríamos.
Mas o mundo não muda, é sempre igual, ricos e pobres, o Comunismo é apenas uma tentativa de negar o que Jesus disse:
“Os pobres sempre tereis convosco!”
Cristo estava certo, o mundo não muda, o sistema jaz na maldade, mas uma coisa pode mudar.
Posso não ter mudado o mundo, mas eu mudei.
Não tente mudar mundo, mude a si mesmo, seja melhor, faça o bem, ama o teu próximo como a ti mesmo com o Amor que vem pela fé no filho Deus, e o que resta simplesmente
Será meu “eu” dentro de Deus (D eu S), e assim nós estaremos no C éu, aqui, agora e depois
para sempre.


O FANTASMA DO JUSTINIANO DE SERPA
O boato tinha corrido de que uma das salas do Colégio, localizada no prédio antigo logo abaixo da biblioteca, estava mal-assombrada, diziam que suas portas batiam de modo inexplicável, no entanto nunca levei isso a sério, mas era muito incomum surgir uma história de fenômenos sobrenaturais logo no turno da Manhã.
Mas aconteceu, e eu sou testemunha, vi certo dia, num intervalo, as tais portas da sala baterem, e de modo inexplicável, nada de corrente de vento ou alguma armação, realmente havia alguma coisa que fazia aquelas portas se movimentarem, mas o mito não conseguiu se firmar, como o da mulher dos olhos de algodão da década de 70 ou o da tal perna cabeluda dos anos 90. Acho que estávamos mais assombrados com os descasos do Governo com a educação do que com algum fantasma desocupado.
Atualmente (visitei o Colégio em 25.09.02) a sala macabra está trancada, tendo uma abertura na porta, onde se vê na escuridão um monte de carteiras estudantis vazias e aglomeradas, ficou mais fantasmagórica do que antes.

O EMBALO DE SÁBADO À NOITE
No terceiro bimestre de 88 houve a festa daquela geração, foi a primeira e única que teve plena divulgação e que reuniria todos os turnos do Justiniano de Serpa.
As expectativas fizeram o clima de que teríamos uma festa sensacional naquele Sábado à noite. Para mim também teria um sabor todo especial já que encontraria também na festa alguns dos meus amigos do bairro que prometeram ir11, minha vida adolescente estaria concentrada naquele baile, era como se fosse uma daquelas festas dos filmes de colegiais americanos que estava prestes a se realizar na minha vida.
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11Marcos (Bilú), Júnior (In Memorian), Cícero, Clairton, André, Didi (o karateca dos saltos rolamentos do tigre).

Já na entrada da festa veio logo a emoção e o sabor de aventura, pois assim que cheguei percebi uma aglomeração de alunos reunidos para entrar clandestinamente na festa sem ter de pagar entrada, de imediato me uni a eles, aquela resolução nossa não tinha nada de economia ou dificuldade financeira, era só o prazer do risco mesmo, logo outros alunos conhecidos meus também se reuniram conosco naquela empreitada aventureira, como o maluco do Delaías, outro cara muito popular do Colégio por suas brincadeiras e bagunças (Hoje, imaginem!, o cara é professor da rede de ensino, e diga-se, um dos melhores).
O grupo clandestino começou a adentrar para dentro das dependências do Colégio pelo muro do lado direito. Eu por prudência me detive para entrar só no final, sorte minha e do Delaías que também ficou comigo, pois logo em seguida vimos os caras sendo conduzidos humilhados para fora da festa, que mico! Então eu tomei as rédeas da aventura dizendo: “Também esses caras escolheram logo o pior local para entrar na festa, vamos pelo estacionamento, de lá nós procuramos uma janela das salas que não esteja trancada, entramos na sala e de lá na festa”, apenas quatro caras foram comigo.
Depois de pularmos o muro do estacionamento, logo encontramos uma janela destrancada e dela como planejamos entraríamos na festa, pulamos a janela e entramos na sala, só faltava esperar o momento certo de sairmos da sala. Assim que abri a porta da sala, com muito cuidado para não sermos flagrados pelos seguranças, vi pela fresta, outra coisa que me entusiasmou muito, era a Socorro que acabava de chegar com suas amigas, vibrei, quem sabe não ficássemos juntos, a noite apenas estava começando. Fiquei um bom tempo olhando para ela, fingindo aos outros que espionava para ver se não tinha ninguém olhando, como estava linda! Depois que ela saiu da minha visão voltei a examinar se podíamos ir, com muito cuidado saímos da sala e entramos na festa, somente nós cinco conseguimos entrar na festa sem pagar.
Senti muita alegria também quando vi que meu amigo Cezário estava presente na quadra de dança. O Cezário foi uma lenda nos inícios dos anos oitenta no meu bairro, ele foi o primeiro a aprender o “Moonwalquer”, o passo de dança do Michael Jackson em que numa ilusão de ótica o dançarino parece flutuar na pista de dança. Nos tornamos amigos por causa do interesse comum nas artes marciais, mas até então nunca tínhamos nos encontrado numa festa. Fizemos então uma dupla sincronizada na quadra de dança, e exageramos, chegamos a dar pulos mortais para impressionar, enquanto ele deu uns saltos do palhaço da capoeira, eu, pela primeira vez numa festa, saltei o mortal para frente com rolamento, aquele mesmo salto do filme Fhasdance. Sim, estrapolei com o Cezário todo a minha fome de dançar, foi demais!
A festa enfim foi como eu esperava, dancei, brinquei e conversei até a última música parar de tocar.
Após o fim da festa, fiquei com a turma de 88 até os primeiros raios do sol surgirem, ficamos sentados descontraídos, conversando sobre coisas triviais, satisfeitos e exaustos; alguns estavam abraçados, outros só preocupados em fazer os outros rir e se divertirem com suas histórias. Para mim apenas faltava uma coisa, fiquei sem a Socorro, na ida para casa no primeiro ônibus, apenas lamentava isso e logo vi que não valeu a pena, a música “Além do Horizonte” do Roberto Carlos explicaria tudo: “De que vale o paraíso sem amor...”.

PELA FRESTA NA FESTA
Sim, escondido te vi surgir, o tempo parou naquele instante.
Meus amigos na escuridão da sala nem imaginavam meus pensamentos quando olhava pela fresta para você, apenas esperavam saber, no calor da adrenalina, se tudo estava bem, se o caminho estava livre.
Parei ao te ver. Temi sair de súbito da sala ante teus olhos, não queria que você descobrisse que eu havia feito uma coisa errada: Entrar na festa sem pagar.
E aproveitei e te contemplei.
Você nunca soube. Ah, quantas vezes furtivamente te olhei, com vontade de ir até você e explicar tudo!
Você nunca soube que ti vi na festa com tanto carinho, com tanto amor, com tanto sofrimento...
Ah, se tivéssemos dançado! Pelo menos uma música!
Que tristeza!
Que desperdício de oportunidade! Que chance perdida para sempre!
Nossa festa sem nós!
Minha festa da juventude sem amor!
Que azar!
Como gostaria de voltar a fita da nossa história!
Puxa!
Puxei o tapete dos meus momentos!
Se eu não tivesse dito aquelas bobagens!
Se eu não tivesse dito!
Mas... puxa! Eu disse!


O CONTEXTO DOS POEMAS
Tenho uma apreciação enorme por poemas que são inspirados em fatos reais. Os poemas compostos meramente pelo uso das palavras possuem lá o seu valor, mas para mim não são sólidos, não são históricos, não possuem alma.
Vejam o caso (Desculpem eu ter de me voltar assim para o próprio texto que escrevo)desse poema que acabei de inserir aqui no livro Telefone, se ele estivesse fora do contexto histórico, ou seja, sem a explicação da festa, sobre toda a minha história com a Socorro, dificilmente alguém interpretaria corretamente o que eu quis dizer com fresta, ou o que eu quis dizer com escuridão da sala, etc. Com muita probabilidade logo o leitor do poema sem o devido contexto histórico real, faria uma interpretação particular completamente nova dentro do pouco de informações que lhe seriam dadas dentro da brevidade dos versos.
Certamente que novas interpretações não deixam de ser fascinantes, mas encaixar poemas nos seus devidos lugares é muito mais pragmático e útil.
Em Telefone busco fornecer a verdadeira interpretação dos versos que escrevi para a Socorro.


À SOMBRA DO FAROL DO MUCURIPE
Minha turma do bairro era formada por mim, o Marcos, Cícero, Júnior e Clairton. Havia uma carência mútua entre nós, precisamos de todos para pudermos nos divertir. Diversão que consistia na maior parte do tempo nos passeios pela praia nos finais de semana (Titanzinho e Praia do Futuro) e nas idas à Volta da Jurema nas noites de Domingo. Mas os melhores momentos eram nas festas, que ocasionalmente aconteciam, fosse por aniversários ou quando o PAJ (grupo de jovens) realizava no centro social do bairro.
Cada um de nós tinha uma característica própria. Marcos tinha o biótipo gordinho. O Cícero possuía uma insegurança terrível sobre sua masculinidade, tinha sido muito amigo de um sujeito que todos diziam ser gay enrustido, mas que o Cícero sempre defendeu que era heterossexual até que o sujeito se revelou não ser, isso o deixou mal visto e abalou sua segurança sexual diante de todos. Júnior tinha uma doença degenerativa que pouco a pouco o deixava cada vez mais trôpego e sem condenação motora. Já o Clairton era filho bastardo que vivia na casa da família oficial de seu pai. No meu caso, eu era o fantasioso que desejava muito viver com toda a intensidade minha adolescência, e eles eram os amigos que eu unia para isso. A turma era basicamente dividida duas partes, uma formada pelos quatro, que eram parentes, o Cícero era irmão do Júnior, e o Marcos e o Clairton eram primos deles, já a outra parte era eu, que literalmente unia todas para a formação da turma.
Quando por algum motivo, eu não conseguia estar com eles, minha diversão era caminhar sozinho pelas ruas do bairro.
O Marcos e eu era o coração da turma, era por ele que eu tinha acesso aos outros, e muitas vezes sua companhia era o maior certeza que eu tinha todas as noites. Sem ele minha vida teria sido bem solitária.
A turma se desfez quando me converti ao protestantismo. Cada um seguiu seu caminho, mas acho que quem mais sofreu foi o Júnior, que teve de conviver sozinho com sua doença. Ele foi depois levado a freqüentar uma dessas igrejas que propagam curas divinas, com a nítida busca de uma solução para seu problema. Com o tempo se frustrou e já não mais ia aos cultos. Seu fim foi doloroso e solitário. A última vez que o vi, foi por uma coincidência, eu estava passando em gente a sua casa e o vi quando estava saindo de casa numa cadeira de rodas provavelmente para alguma consulta médica. Quando o vi e falei com ele, ouvi o seu nostálgico: “Luiz!”. Nunca tinha ouvido meu nome pronunciado de modo tão memorável, era como se ele conseguisse ao dizê-lo relembrar todas as nossas aventuras.
Ao vê-lo naquela situação tão penosa, decidi que não queria visitá-lo estando ele daquela forma, preferia lembrá-lo como o conheci no período de nossa infância. Depois que ele morreu pensei muito se não agi mal, evitando em ir visitá-lo, se fui egoísta. Verdadeiramente não queria ver meu amigo definhando numa cadeira de rodas, enquanto eu continuava minha vida a fora, sentiria-me mal e temia gerar algum tipo sentimento de frustração nele. Acredito que ele nunca deixou de ouvir as músicas do filme “Os Embalos de Sábado a Noite” que sempre tocava num programa de rádio noturno. Principalmente a “How Deep Is Your Love”, aquela lenta do final do filme.



A MORTE
1988 foi um ano cheio para mim, além de estudar em dois turnos, em dois Colégios diferentes, me envolvi em uma série de atividades: participava de um grupo de jovens no meu bairro, ministrava aulas de Kung Fu (também comecei a treinar Karatê), passei a sair mais nos finais de semana e a participar de festas, diria que vivi três anos em um, mas no final desse ano veio o grande abalo da minha vida, um grande amigo meu morreu de forma trágica, e isso me fez questionar de forma penetrante o sentido de minha vida, passei então a começar a freqüentar a missa e a me interessar por assuntos religiosos, como as aparições da virgem Maria numa cidade da Iugoslávia, de repente fiquei apático e sem graça, sendo o líder da turma nas farras do final de semana acabei afetando muitos dos meus amigos, deixei de treinar artes marciais e comecei a participar de um grupo Católico, tornei-me num papa-hóstia de carteirinha, quando passei a ler a Bíblia acabei me decepcionando com o Catolicismo Romano e procurei uma igreja que fosse mais comprometida com os ensinos do livro sagrado, o fervor com que me dediquei foi muito descontrolado, afetou bastante o meu relacionamento com as pessoas, me tornei um fanático religioso, a ponto de não me interessar por mais nada, atrapalhei meus estudos e causei muito transtorno para meus familiares.
Só percebi que algo não estava certo quando vi minha mãe chorando desesperada por mim diante de um psiquiatra. Resolvi então dar um tempo com aquele fervor religioso.
Em 1989 já livre daquele fanatismo religioso consegui concluir o Segundo Grau no Justiniano de Serpa, mas havia perdido minha identidade, não tinha mais amigos e já não sabia mais o que queria da vida. Tornei-me um jovem calado e reflexivo; voltando a igreja, não foi difícil com meu carisma e inteligência, e uma vocação já sinalizada pelas aulas de artes marciais e meus comentários bíblicos no grupo de oração católico, atestada ainda por uma profecia de uma crente, de me tornar um doutrinador, como ela chamou. E nisso me realizei. Na preparação das aulas acabei avançado no estudo da teologia, logo descobri minha real vocação escrevendo artigos e apostilas de temas bíblicos.
Já em 1990 consegui um emprego, entrei na UFC e fiz Grego Clássico.
De 93 a 94 com um emprego mais folgado, dediquei-me também a escrever outros temas: Romances, poesias, contos, etc.
Mas foi no início de 1997, quando organizava alguns dos meus velhos livros na minha nova casa que encontrei um número de telefone que mudaria minha vida (e todo o Universo) para sempre.


MENSAGEM PARA OS FUTUROS ALUNOS
Gostaria sinceramente de descrever e detalhar cada um dos alunos daquela geração do final da década de 80 do Justiniano de Serpa, mas as lembranças me escapam não sei se entre nós havia outro nostálgico com vocação para escrever que preencha no futuro essa lacuna que deixo, espero que sim, afim de que aquelas turmas continuem em forma de registro para as gerações futuras. De minha parte porém deixo minha visão.
Eram jovens pobres, mas queriam futuro, um lugar ao sol, tentavam na medida do que podiam serem atualizados com o seu tempo. Não tinham muito de luxo para mostrar, mas da simplicidade souberam desenvolver personalidades, tornando-se adultos um pouco melhores, pelo menos nunca vi um dos ex-alunos em alguma reportagem policial. Creio que bem poucos ingressaram numa faculdade e que não devem guardar boas lembranças daquele Colégio. Minha tendência poética é que deu cores aquele preto e branco sem graça do Justiniano de Serpa, mas é melhor que nada, se o Colégio não prestava pelo menos os alunos me foram caros, não quis e não quero dizer que meu Segundo Grau no Justiniano só foi tristeza e lamentação pela precariedade, de forma alguma, foi legal, me diverti e vivenciei bons momentos ali, e tenho saudade. O fato deu estudar em vários Colégios me deu certa diversidade e riqueza de amigos12 insuperável. Do outros Colégios tenho amigos formados, engenheiros, professores e oficiais militares, e isso é muito bom, mas no Justiniano meus amigos eram carentes, e o Colégio e o Governo não os ajudaram em nada. Por isso tenho mais carinho por eles e compreendo se não estiverem com um ótimo padrão de vida hoje.
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12 Adnamar (um crânio); Wellington (O “Cabeção”, também era um crânio, no caso dele, nos dois sentidos, o que explica o apelido, hoje é oficial da Aeronáutica); João (Bacurin, o cara sabia a música “Faroeste Caboclo” de trás pra frente (Liceu ); Alex, Marcos, Jairo, Cezário (ETFC) e muitos outros que esqueci agora.

Quando participei das eleições do grêmio tive a oportunidade de conhecer todos os alunos dos três turnos, e confesso, as turmas da Manhã eram mais animadas e possuíam um brilho que as da Tarde e da Noite, principalmente a Noite, não ostentavam. Os alunos da Noite pareciam cansados, não tinham vida, eram maduros demais, cheios de responsabilidades que tirava toda a alegria de viver; era compreensível, mas também lamentável. Aconselho aos alunos novos que porventura leiam essas memórias e que estudam a Noite, que não deixem a fadiga do dia tirarem a vivacidade da vossa juventude, arranjem forças não sei de onde, mas sejam alegres, entusiastas e de bom humor, para que vossas lembranças não sejam cinzentas e mórbidas.
Procurem desenvolver o gosto pela leitura, leiam artigos, revistas, visitem bibliotecas, teatros, museus... Não percam tempo com bobagens, a vida é tão curta para que a desperdicemos com tolices. Conversem com pessoas inteligentes, ajudem a outros jovens a não se perderem indo por caminhos errados. Saibam aconselhar. Seja sangue bom! Do bem! Acreditem na vida, não deixem que uns seres humanos arranquem de vocês a crença na humanidade, na justiça, na beleza e na magia que é está aqui e contribuir para que esse pontinho azul na imensidão do Universo seja o lugar mais maravilhoso dos mundos. Acreditem em Deus, que Ele nos vê, nos assiste, torcendo para que sejamos melhores. Acreditem nisso! Assistam filmes legendados, buscando atentar nas imagens enquanto procuram entender e interpretar o que os atores dizem, usando as legendas como apoio de confirmação, nem atentem apenas nas imagens nem para as legendas, fazendo uma interação harmônica. Vocês sabem o que quero dizer. Eu sei que não precisava dizer isso. Mas...eu precisava. (lágrimas...)
Um outro conselho que dou, agora a todos os estudantes de Escolas e Colégios sem qualidade de ensino, é que vocês possuam qualidade no estudo pessoal, precisam escrever atrás de suas camisas:
“Esqueçam a melhoria na Educação pública, não esperem políticos ou leis que favoreçam-na, simplesmente estudem, estudem e estudem...”


AMIZADE ESTUDANTIL
Um conselho também muito útil que daria para as novas gerações de estudantes dos Colégios públicos é que busquem estreitar amizades com os alunos dos Colégios particulares. É verdade que há poucos pontos em comuns de contato, os pais dos alunos ricos são demasiadamente protetores, principalmente quando seus filhos fazem o Primeiro Grau e é por demais raro vermos dois alunos de Colégios diferentes conversando, mas é preciso pensar, criar atalhos, seja pela Internet ou por meio de jogos esportivos inter-escolares. O ponto em questão é ter essa dica em mente e saber aproveitar as oportunidades, seja quando os alunos ricos estiverem numa lanchonete, no Shopping ou passeando em algum lugar fácil para começar a amizade. (Quando escrevi isto, ainda não tinham inventado os “Orktus” da internet.
E o que fazer quando ver o aluno rico? Ora, abrir um diálogo estudantil, não deve ser difícil ter assunto, são tantos cálculos, fórmulas, nomenclaturas, problemas, enfim a ordem é virar “gasparzinho” e encontrar algum assunto para dialogar e depois pedir o E-mail do novo colega.
O ideal é rapazes fazer amizades com rapazes e moças com moças, para que os alunos ricos não se afastem por pensarem que a amizade em andamento possui alguma intenção de namoro.
Mas e qual é a intenção de buscar essas amizades? Ora, ajuda mútua, principalmente para o aluno pobre. Enquanto o aluno pobre oferece a oportunidade de dar ao estudante rico a chance de desenvolver a sua filantropia e bondade, este ganha um amigo útil para lhe dar dicas de vestibulares, emprestar livros e quem sabe até, ajudar na busca de um futuro emprego, quando deixada a vida escolar se verem na dura luta pela sobrevivência! É lembrar da máxima cristã: “Ama o teu próximo como a ti mesmo!” há um detalhe nesse princípio cristão que geralmente não percebemos, é o “amar a si mesmo”, temos de nos amar, então raciocinemos: Se fôssemos alunos ricos estaríamos cumprindo o mandamento de Deus se ajudássemos os alunos pobres. Então seria bom para nós, portanto não há nada de errado em incentivá-los em nos ajudar, e estaríamos nos amando.
Se isso é se aproveitar das pessoas ou oportunismo, eu não sei, o que acho é que para sua melhoria na educação tudo é válido, desde que não seja prejudicial ao próximo.


TOINHO
Nunca fui muito bom de bola, mas morar no país do futebol é uma coisa que se impõe, todos os guris jogavam bola, por isso não tive escolha; mas não tinha jeito para mim, era um perna de pau. Todo o meu biótipo não se harmonizava com o futebol, meu corpo era esguio, meu pé pontudo, minha perna muito grossa, o que em caso de pancada tende a gerar um abcesso, e além disso, nunca houve um treinador que me desse umas dicas importantes, como não ficar correndo o tempo todo atrás da bola, pois na ânsia de ter a bola nos pés eu ficava o tempo todo correndo para onde a bola estava, não houve ninguém que me dissesse que eu deveria ficar parado numa posição, esperando a bola chegar a mim. No final de cada partida eu estava sempre mais exausto que os outros garotos, mas graças ao futebol encontrei meu maior amigo.
Antônio era mais velho que eu dois anos, tinha um temperamento calmo e sempre esteve presente nas minhas dificuldades, jamais esquecerei do que me aconteceu no campeonato de 1985, a turma de minha rua estava reunida num Sábado à noite na casa do Marcos para formarmos nosso time, todos tinham cooperado com alguma grana para a compra do material, e naquela noite iria ser dada a camisa de cada jogador. A distribuição foi feita a partir dos melhores jogadores, no final, apenas um garoto ficou sem a sua e era eu. Quando a reunião já estava para acabar e eu já sentia uma coisa ruim na garganta, prestes a chorar, Antônio tomou a palavra e disse: “Não é legal deixar o cara aqui sem camisa, eu vou dar a minha pra ele, depois a gente consegue outra pra mim”, nisso um garoto replicou que o Antônio não podia dar sua camisa já que ele era titular, foi preciso um dos reservas ter de dar sua camisa para mim para que o Antônio consentisse em ficar com a sua camisa. Aquela atitude do Antônio me livrou de uma grande tristeza, quando cheguei em casa fiquei um bom tempo olhando a camisa, alegre e satisfeito e sem dúvida muito agradecido pelo que aquele cara tinha feito por mim.
Era o Antônio que sempre convencia minha mãe a deixar eu ir para as festinhas, passeios e diversões, me dava dica sobre tudo no mundo, foi o cupido do meu primeiro namorico e generosamente me presenteava com brinquedos, gibis e roupas. Sem o Antônio com certeza minha infância teria sido outra bem diferente, sou grato a Deus por esse irmão que Deus me deu, sua morte foi a maior tragédia da minha vida, fiquei sem norte e abatido como nunca, o que veio a ser o ponto de referência para uma mudança radical em minha vida, na época eu estava me sentindo o máximo, era o líder de uma turma, mestre em Kung Fu, possuía várias namoradas e nem ligava para os sentimentos da única menina que eu realmente gostei, mas a morte do Antônio me barrou naquela posição machista e egoísta que estava ofuscando o menino simples e meigo que tinha sido.

“Na vida me foste o amigo, o irmão, o exemplo e a alegria, na morte, a luz que me conduziu à fé, a maturidade e a verdadeira felicidade.”
Antônio (29.02.68 a 14.10.88), guardado no lado esquerdo do peito.


APÊNDICE PARA ALGUM LUGAR NO FUTURO
Para Ateu Crer
A prova da existência de Deus verdadeira e certa é o próprio Deus.
Quando vem ao coração do homem, o homem passa a ter a prova mais perto, mais íntima, mais profunda da Sua existência. E toda a dúvida se esvai, e toda a certeza se agiganta.
Depois será mais fácil acreditar na própria inexistência que na inexistência de Deus.
A fé na mensagem de perdão em Jesus Cristo é o meio de se tirar o que impede de Deus entrar em nós. Depois que Ele entra no nosso espírito, tudo muda da água para o vinho novo.
Deus vindo na Pessoa divina do Espírito Santo, que é idêntico ao Filho e ao Pai eterno revela dentro do homem toda a intimidade espiritual de Deus. Será uma união, onde Deus estará no homem e ali se revelará intimamente a esse bem-aventurado.
A fé é o meio de se ter a prova de que Deus existe e é pessoal.
Você ateu está agora num dilema, ou crer em Jesus para experimentar se Deus existe mesmo, ou não crer, e continuando nessa dúvida destruidora e aterrorizante.

Espero que entenda esta minha paráfrase de Descartes: Creio, e logo Deus existe!



NO TOPO DO MUNDO
No último ano do meu Segundo Grau minha turma era bastante pequena mas muito madura, nos intervalos ou nas aulas vagas ficávamos jogando xadrez, eu era péssimo no jogo, sabia xadrez por leituras e não pela prática e por isso cheguei levar dois xeques-Pastor, o xeque-mate mais rápido que existe, realizado em apenas quatro lances, mas depois eu melhorei.
Na turma 5 dos alunos eram estagiários do BNB, e certa feita um deles, o T.J., me levou até o teto desse banco. Foi incrível, vi toda a minha cidade numa visão espetacular, foi um momento muito especial para mim, sempre quis ver minha cidade de cima, mais para saber me orientar no trânsito do que pela beleza, mas Fortaleza se descortinou para mim bela e maravilhosa.
Para um jovem sempre em terra, aquela cena foi sensacional, é fácil para quem mora em apartamento ver o mundo de cima e com o tempo banalizar a visão lhe oferecida.
Mas para aquele rapaz aquilo foi novidade e ao ver o centro da Cidade do alto fiquei logo absorvido e meditativo. Vê os edifícios, os bairros, as centenas de casas, na multidão delas com seus sonhos, seus problemas e realizações, foi por demais significativo.
Sempre costumo ir ao Mirante do Bairro Santa Teresinha aqui em Fortaleza, que oferece a mais linda visão de nossa cidade, e sempre penso nas pessoas que estão em cada luzinha elétrica acesa e choro, porque não nos conhecemos estando tão perto, porque a vida é curta e há tanto que aprender e ensinar mas o tempo é tão curto, todavia logo me lembro das promessas de Jesus que um dia estaremos todos juntos e me conforto.

PLANETA DAS MULTIDÕES
O mundo é tão grande. Há tantas pessoas. Puxa é grande mesmo! Já
imaginou? E há tão pouco tempo para conhecermos, conversarmos,
trocarmos idéias.
De certo modo apenas termos condições de conhecermos a todos e com eles
trocarmos informações, e aprendermos, crescermos, etc. já é uma
maravilha, um céu, e no céu, teremos isso, não será maravilhoso lá?

UMA CONSTATAÇÃO: Eu poderia escrever numa única folha o nome de todos os meus amigos da minha vida; na grande verdade só podemos conhecer no máximo umas 700 pessoas durante toda a vida. Por isso, evite ter inimigos e guarde os colegas e os amigos com carinho, a vida é curta e precisamos vivê-la da melhor maneira possível.


O TEÓLOGO
Na minha turma de terceiro ano havia duas testemunhas de Jeová (Bisbo e Alex) que acabaram se tornando no motivo deu ter de me aprofundar bastante no estudo da Bíblia e da teologia, pois sempre estávamos debatendo sobre os pontos conflitantes de nossas religiões, como a doutrina da trindade e do castigo eterno, que as testemunhas de Jeová insistem serem ensinos que não se encontram fundamentados na Bíblia. Foi em meio as nossas freqüentes disputas sobre esses temas que a religião das testemunhas de Jeová publicou a brochura intitulada “Deve – se crer na trindade? É Jesus cristo o Deus todo poderoso?” que foi uma poderosa munição para que as Testemunhas de Jeová pudessem argumentar contra a doutrina da trindade e senti na pele a necessidade de me aprofundar no estudo desse preceito cristão, foi então que empreendi uma minuciosa investigação sobre essa doutrina, findando em três leituras meditativas de toda a Bíblia e uma pesquisa que me obrigou a ler mais de 70 livros, durante um espaço de cerca de 10 anos. O livro resultado dessa pesquisa intitulado “A Trindade E As Testemunhas De Jeová”, foi considerado por aqueles que estudam a fundo a doutrina no melhor tratado em defesa do ensino da Trindade.
Por ser uma doutrina complexa e enlaçada com todos os demais preceitos bíblicos acabei me tornando num teólogo cristão por Notório Saber, vivendo sempre cercado de alunos e de estudantes de teologia que viam em mim um acervo vivo para tirarem suas dúvidas teológicas e entenderem melhor os pontos mais difíceis da Bíblia.
Sobre os debates com as duas testemunhas de Jeová na época estudantil, eu fui esperto, como vi que sobre o tema Trindade, eu teria muita dificuldade, procurei sempre me voltar para outros assuntos que eu tinha certeza me sairia vencedor, foi assim que sempre que elas me incitavam para debater, eu sempre me voltava para o ensino sobre o castigo eterno, no qual possuía um argumento imbatível, que era fazer a seguinte suposição: Caso eu estivesse errado e o castigo eterno não fosse verdade, como conseqüência eu teria apenas como punição a inexistência conforme o ensino das Testemunhas de Jeová, mas por outro lado, se eu estivesse certo ao defender que o homem fora dos padrões bíblicos teria como castigo a existência eterna em terríveis tormentos, a situação de meus adversários não seria nada boa. Assim, com esse argumento, eu tinha a vantagem quando perguntava incisivamente “quem perde mais se estiver errado?”. Devo ter deixado aqueles dois caras na obrigação de terem a plena certeza se aquilo que defendiam era o certo ou não, o que também de certo modo me deixou mais aliviado dentro do meu posicionamento de fé, sem, contudo, me impedir de ir a cata da plena convicção dentro desse mesmo posicionamento.
Em vez de fazer Seminário, a direção de Deus que tive para me aprofundar na Theologia13 foi ler os livros dos quais as apostilas dos seminários eram elaboradas, li a Bíblia até memorizá-la como ninguém, somente um aluno meu, e talvez o Reverendo Glauco, sabem mais acerca da Bíblia do que eu. Digo sem vaidade e convicto. O problema é a mediocridade dos nossos tempos!
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13 Na continuação deste livro explicarei porque escrevo a minha Theologia com “Th”.


DA METADE CRÍTICA PARA O FIM QUE AVANÇA
Meu último ano no Colégio foi sombrio e solitário, estava deslocado, só queria que terminasse o ano para sair logo e dar adeus ao ensino médio. Evitava sair da sala de aula no intervalo e nas horas vagas ficava escrevendo reservadamente num canto. Foi sorte minha turma final ser madura, eles não eram mais de brincadeiras, estavam todos cientes que precisavam decidir suas vidas14, se o Shaolin original ainda estivesse vivo não iria encontrar eco naquela turma. Os jogos de xadrez me caíram como uma luva para pelo menos interagir com alguns daquela turma. O que não queria era caminhar nos corredores do Colégio, os novos alunos não me interessavam e os antigos me faziam ficar com vergonha, a nova vida sem os artifícios que tinha criado para ser um aluno brincalhão e desenrolado me deixou inseguro, a experiência com meus amigos do bairro tinha me mostrado que as pessoas ficam amigas da gente pelo que vêem, se nós lhe mostramos algo que elas gostam, teremos de sempre mostrar para que elas continuem atraídas a nós. Se resolvemos deixar de mostrar o que elas gostam simplesmente se afastarão. Não sendo mais o engraçadinho, o irreverente, o irônico, o doidão...eu iria aborrecer aqueles que antes tinham se atraído a mim por causa dessas coisas. O jeito foi me isolar mesmo, e aprender que os perfis que criamos devem ser autênticos, se não seremos como os palhaços, alegres por fora e tristes por dentro.
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14 Daquela turma de apenas 10 alunos, saiu dois oficiais das forças armardas que passaram no concurso de Sargento do Exército, um deles foi meu companheiro de sala desde o Colégio Presidente Médici (Claudiney), era ele quem escrevia as falas dos balões das minhas revistinhas em quadrinhos de 1986, já que minha letra era ininteligível.

Foi sorte também não ter ninguém da minha sala do ano anterior, tinha ganho a fama entre eles de louco por ter terminado o ano quase sem freqüentar as aulas e com notas ridículas no quarto bimestre, ignoravam a morte de meu amigo e o meu despertamento espiritual mal orientado. Só fui aprovado no Justiniano por causa das boas notas que tive nos três primeiros bimestres e por causa da intervenção de meu irmão mais velho15 diante da direção e dos professores. Nos outros Colégios porém, onde os professores eram mais rigorosos e reprovavam por um mísero meio ponto, ele não teve muito sorte, apesar de muito insistir, já que eram Colégios melhores; nas provas do quarto bimestre esses professores não facilitaram em nada para mim. Estando num incrível branco de quase dois meses, permaneci num estado de choque intelectual, por isso, pela primeira vez em toda minha vida escolar, fiquei reprovado, e iria para a até então nunca experimentada recuperação.
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15 Maninho

A reprovação por minha aparente incapacidade intelectual me deixou mais ainda desfalecido, não consegui descobrir o que estava acontecendo e entrei num tipo de colapso mental, ficando impossibilitado de qualquer reação, assim não tive chances na recuperação nos colégios mais exigentes.
Nas férias, passeando em meditação pela praia, descobri que pensar que tinha perdido minha inteligência, sem ter consciência desse pensamento terrível, era a causa de todo o broqueio, ao desistir dessa idéia tudo se resolveu. Estive como aquela irônica situação da insônia: quanto mais você desejar dormir menos chances terá de conseguir, a saída é se esquecer do desejo para naturalmente cairmos no sono tão almejado.
Se não tivesse me encontrado nessa meditação pessoal que fiz, provavelmente eu teria acabado na mãos de um psiquiatra medíocre do sistema de saúde, que diagnosticaria um quadro de esquizofrenia, como chegou a fazer um médico que meu pai me levou, chegando a receitar comprimidos fortíssimos para mim, graças a Deus consegui me encontrar se não, seria talvez o fim de meu contato com o mundo racional, tudo por causa de um falso diagnóstico médico, seria o fim de um rapaz inteligente e fantasioso que triste com a vida simplesmente entrou numa crise existencial.
Assim, em 1989, depois desse período meditativo, longe também da religião, reencontrei-me, abandonei os conflitos, os medos, superei as perdas e saí devagarinho daquela parada mental. Mas era outro, completamente nu, que precisava se reprogramar.
Voltei a Igreja, nesse mesmo ano, para me tornar num afamado professor bíblico, no Colégio passei com boas e sobejas notas, me dediquei a escrever artigos e apostilas teológicas, conheci amigos cristãos inteligentes16 e deixei a solidão, me tornando num carismático teólogo conferencista, dei palestras sobre namoro, noivado e casamento, interpretação bíblica, escatologia, não havia ensino bíblico que eu não estudasse e ensinasse com desenvoltura e sabedoria, graças a Deus! Na área de apologia (defesa dos ensinos bíblicos corretos) combati os falsos ensinos da igreja Universal do Reino de Deus, uma seita sem conexão alguma com as tradicionais doutrinas cristãs, onde os pastores se aproveitam da carência das pessoas para ganharem a vida, usando o cristianismo distorcido como pretexto. Essa minha então militância foi mal vista pelos líderes da igreja que eu congregava, que apesar de saberem das distorções desses pastores achavam que não se deveria considerá-los como falsos cristãos. Mas fui apoiado por outras igrejas protestantes, e resolvi elaborar trabalhos escriturísticos que descortinavam os enganos e armações desses falsos profetas, muitas pessoas foram ajudadas a saírem do fanatismo dessa religião antibíblica. Meu maior empenho, contudo, foi tentar fazer com que a denominação evangélica na qual eu congregava fosse restaurada ao modelo cristão primitivo de igreja, senti um chamado divino para isso, mas não consegui ser reconhecido para aumentar quantidade de pessoas despertadas, minha pregação bíblica e minhas Apostilas e Artigos Bíblicos foram escritos com essa finalidade. Mas não consegui abrir os olhos dos líderes. Acredito agora que só saindo poderei ser reconhecido como verdadeiro Homem de Deus que precisa ser ouvido, assim como Jesus teve de sair de sua terra para depois ser recebido (Evangelho de João, capítulo 4 versos 43 a 45).
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16 Glauco, Henrique, George, Assis, Heládio, Jonh (o Menonita americano)

Sempre avançando, parti depois (às vezes de modo paralelo) dos trabalhos teóricos de religião para um serviço prático dentro das comunidades mais carentes, formei um grupo de voluntários e juntos fizemos operações de ajuda partindo das verdades espirituais para a vida prática das pessoas, eram atividades evangelísticas, visitava hospitais, donde levei muitas pessoas à fé. Nessa época, em meandros dos nos 90, senti-me como um tipo de super-herói espiritual, um sonho quixotesco da pré-adolescência que tive quando lia as revistinhas em quadrinhos. Foi uma fase enriqueçedora e experimental, onde o conhecimento teórico se mostrou verdadeiramente eficaz. Ao mesmo tempo em que comecei a escrever textos literários, como contos, poemas, romances e crônicas devido a um emprego que me fez ser conhecido como “o escritor” no Centro Comercial de Fortaleza.
Atualmente desejo me envolver na área teatral, escrevendo Peças ou Óperas, tenho perspectivas de atingir a sociedade num setor que ainda não alcancei. Quero influenciar meu tempo com tudo de bom que descobri e descubro no desenvolvimento das verdades que experimentei em minha vida. A vida moderna precisa que as diretrizes fundamentais para um bom viver sejam re-escritas, atualizadas, para resgatar o homem contemporâneo da perdição existencial que as transformações científicas, filosóficas e político-sociais o colocaram.
Meus trabalhos futuros depende dessa nova fase nas artes cênicas, penso também em cinema, televisão e na internet (que ainda aguardo), mas primeiro o teatro, o básico nunca deve ser ultrapassado.


PAZ INTERIOR
Quando meu amigo morreu, eu tinha apenas 17 anos, não pensava em igreja, céu, morte ou inferno, essas coisas estavam fora de meu interesse e compreensão. Se alguém me tivesse avisado que Jesus Cristo prometera voltar e levar seus verdadeiros seguidores para o céu de maneira brupta e inesperada, eu teria tido uma grande surpresa, pois isso me era uma total novidade.
Estava alienado de religião, quando na 8ª série estudei a reforma Protestante do século XVI eu tinha em parte me convencido dos graves crimes que a religião Católica havia cometido e que os protestantes estiveram certos em sua ruptura com a igreja tradicional, mas para mim aquilo não passou de matéria de história.
Minha primeira comunhão me causou mais terror do que conforto, lembro-me que no dia da confissão eu temia esquecer das rezas que decorara, principalmente o ato contrição e o salve rainha. Definitivamente aquilo não foi nada confortante, só me senti bem quando tudo aquilo acabou.
Curiosamente eu era um garoto super conhecedor das histórias do Antigo Testamento, quando criança insisti que minha mãe me comprasse uma Bíblia em quadrinhos que tinha visto num catálogo de livros de uma revistinha em quadrinhos (uma paixão da minha adolescência), o interesse pela tal Bíblia não foi as histórias sagradas nela contidas, mas o desenho de uma majestosa águia que tinha na capa do livro, voando soberana tendo abaixo de si a arca de Noé aberta, libertando os animais, que como ela, estiveram ali abrigados do grande dilúvio. Eu era fascinado por desenhos de águias, tinha vários cadernos de desenhos repletos de desenhos de águias que eu fazia.
Minha mãe tentou comprar o livro pelo reembolso postal, mas não foi possível, então um dia ela me levou ao centro comercial de Fortaleza para o tentarmos comprar em alguma livraria, acabamos comprando uma Bíblia em quadrinhos diferente daquela do catálogo, mas que também tinha ilustrações magníficas.
Pois bem, além desenhar as figuras eu li todas as histórias, conheci todos os personagens bíblicos, no entanto não me interessava muito pelos do Novo Testamento, não havia em Jesus e seus apóstolos nada de luta, de ter de matar leões ou derrubar gigantes com uma pedrinha, eu não entendia a expressão “Jesus morreu pelos homens”, isso porque ninguém me explicou que tudo o que fizermos de errado aqui haveremos de prestar contas com Deus, e aliás eu me julgava um garoto bom, era estudioso, não fumava, não bebia, não havia nada de errado comigo, a não ser uma desobediência aqui e acolá a minha mãe e a meu pai. Mas quando meu melhor amigo morreu, eu comecei a perceber que havia um medo enorme em mim de Deus; notei que eu não o amava, na verdade eu até queria que Ele não existisse para me deixar a vontade na vida, vi meu egoísmo, minhas mentiras, e até minhas colas no colégio como realmente eram: pecado, transgressões contra a lei de Deus.
Essa percepção de minha pecaminosidade me fez ir mais a missa e a buscar aquilo que me faltava: paz com Deus.
Mas os rituais da missa não me deram conforto, e como conhecia as histórias do Antigo Testamento, de como Deus condenava a confecção de imagens de esculturas, eu comecei a questionar o fato dos católicos se ajoelharem diante das estátuas dos santos, as rezas também me pareciam muito artificiais. Não entendia porque tínhamos que rezar tanto a ave Maria, por que uma só reza não bastava, por que também se dirigir a santos se eu podia ir diretamente a Jesus? Tudo isso começou a me inquietar; eu queria a verdade. Resolvi então me tornar Protestante, mas parece que me faltava alguma coisa, tudo que eu fazia para sentir me melhor, não só mais ainda me pertubava como incomodava as pessoas próximas a mim. A religião não tinha me ajudado. Ao ver minha mãe desesperada a meu respeito resolvi deixar a igreja.
Meses depois lendo um livro de uma biblioteca de Seminário17 e descobri o que estava errado, me faltava o chamado “testemunho do Espírito Santo em meu espírito”. Entrei em apreensão e angústia espiritual, mas não consegui entender aquilo. Já estava desistindo de Religião quando li o livro infantil “Haidi” de uma biblioteca circulante que apareceu no P.A.J. (grupo de jovens que eu participava), nesse livro sensível e terno, percebi que tudo dependia de uma fé infantil para que eu obtivesse minha salvação, e foi o que fiz, e em minha própria cama, angustiado, e sem forças, orei a Deus por salvação, e algo mudou, senti paz e segurança, não tinha mais medo. Depois encontrei nas leituras bíblicas as explicações para essa experiência sacramentando a resposta do que eu tanto procurava: “o que tinha de fazer para ser salvo?”.
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17 SIBIMA. O livro foi “Os Sermões de Jonh Wesley”

Segundo a Bíblia eu não poderia ser salvo por meus esforços, na carta de S. Paulo aos Efésios, ele dizia claramente:

8 Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus;
9 não vem das obras, para que ninguém se glorie.
10 Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus antes preparou para que andássemos nelas. (Efésios 2:8-10)

Portanto, o homem não era salvo por suas obras, eu não precisava me tornar num religioso fanático para ser salvo, bastava crer em Jesus como meu suficiente salvador. A salvação era uma dádiva, um dom, um presente, e não o prêmio de uma vida de boas obras. Devíamos fazer boas obras não para sermos salvos, mas porque éramos salvos pela fé em Jesus. Aquilo me pareceu incrível, de fato uma salvação que dependia total e exclusivamente de Deus não permitia ao homem de orgulhar de tê-la conseguido, e realmente depois que eu passei a ir mais as missas tinha me sentido melhor que os outros e os considerava menos amados por Deus do que eu, tinha então uma atitude de snobismo religioso, completamente contrária do que ensinava Jesus, que defendia o amor e a humildade entre os homens. Aquilo então que descobri na Bíblia de depender de Deus para conseguir o nirvana cristão foi revolucionário para mim, pois apenas me deixava grato a Deus e não me sentindo superior a ninguém. Passei então entender textos como João 3:16

Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.

Eu só precisava crer em Jesus, que tinha feito um sacrifício por mim, morrendo na cruz, para perdoar meus pecados que impediam de Deus entrar em meu coração. Cri nisso e de repente me senti em paz, uma alegria invadiu minha alma, uma sensação de paz tomou conta do meu ser e até hoje está comigo. Depois descobri que isso tinha sido a entrada do Espírito Santo dentro do meu coração, como diz a também a Bíblia:

1 Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus.
2 Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte.
11 E, se o Espírito daquele que dos mortos ressuscitou a Jesus habita em vós, aquele que dos mortos ressuscitou a Cristo Jesus há de vivificar também os vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que em vós habita.
15 Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes com temor, mas recebestes o espírito de adoção, pelo qual clamamos: Aba, Pai!
16 O Espírito mesmo testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus; (Romanos 8:1,2,11,15,16)

Sim, não me sentia mais condenado, tinha recebido uma confirmação do Próprio Deus que eu agora era seu filho, o Espírito de Deus estava em mim agora. Passei a entender a Bíblia de forma clara e fácil. O vazio tinha ido embora, senti-me livre, sem vontade de fazer as coisas triviais que para mim eram tão caras, o fascínio pelas coisas mundanas, como diziam os protestantes fora embora, não senti mais ser difícil viver o cristianismo, era agradável e satisfatório. No entanto, senti que devia voltar a igreja e ensinar isso as pessoas que eu conheci lá que não eram diferentes de mim, mas que apenas não foram até as últimas conseqüências como eu para descobrir que todo o esforço religioso não nos pode salvar, que tinham sido enganadas por esse esforço próprio pensando que por ele conseguiriam a salvação, quando na verdade só precisavam descansar na fé em Jesus Cristo, que sua morte era perfeita e suficiente, sem precisar de mais nada, para nos salvar. Acabei ajudando a vários jovens e até pessoas bem antigas dentro do protestantismo a descobrirem isso, por esta razão acabei sendo escolhido para ser professor da Escola Bíblica Dominical. Uma das minhas principais ilustrações para mostrar como somos salvos era a do SALVA-VIDAS:
Quando os banhistas viram o homem se afogando de imediato foram chamar o experiente salva-vidas, ao ver o homem desesperado se debatendo em ardoroso frenesi, a atitude do salva-vidas surpreendeu a todos. Ele simplesmente se sentou na areia assistindo toda a luta do homem.
Logo os banhistas começaram a protestar com o salva-vidas: “O senhor não vai tirar o homem da água?!!”, sua resposta firme era “Ainda não é o momento”.
Na água o homem começava a se cansar, depois de alguns minutos se observou claramente que o homem tinha desistido, nessa hora o salva-vidas pulou na água, trouxe o homem para terra firme, salvando sua vida.
Questionado depois porque demorara tanto para resgatar o homem, o salva-vidas respondeu: tinha de deixá-lo desistir de tentar se salvar sozinho para puder com mais facilidade trazê-lo à terra, se fosse no momento de seu desespero era perigoso até eu mesmo me afogar.
E assim é a salvação bíblica: você deve rejeitar seus esforços pessoais para ganhar a salvação, não confiar em boas obras, penitências, caridades, rezas, procedimentos religiosos, mas apenas em Cristo como seu suficiente e perfeito Salvador, e serás salvo.

Acredito que o fato deu ser aplicado e esforçado no Kung Fu foi o que me fez ser tão dedicado a religião, eu queria ser o melhor e portanto me esmerava para isso, mas o cristianismo não é vivido com a força ou esforço humano, é um estilo de vida que depende da própria ação de Deus em nós por meio do seu Espírito Santo, que além de nos dá vida, alegria, paz, amor, também nos leva a altos padrões morais espirituais. Sem a graça de Deus e a comunhão do Santo Espírito o cristianismo bíblico e verdadeiro é impraticável.



O GÊNIO DOMÁVEL E O MOCINHO JESUS
Quando assisti o filme “Gênio Indomável”, que falava de um garoto superdotado que não fazia conta de sua genialidade, procurei fazer uma conexão comigo, e sabe o que conclui: todos nós somos geniais, com nossos talentos que Deus concedeu, o problema é que se esquecemos que todo o louvor por nossas realizações é principalmente de Deus. E pensando nessa soberba que as vezes nos assalta, fazendo com que pensemos que somos melhores que os outros igualmente gênios, chego a temerosa conclusão que Deus não é tão esperto assim, que Deus não é gênio. Pois conceder dons ou aptidões as suas criaturas que na maioria das vezes só servem para elas se exaltarem e mais e mais se afastarem do caminho que Ele sempre nos constrange a seguir parece um contra-senso. Jesus Cristo diz que quem se humilhar será exaltado, e deixa claro que esse é o problema básico do ser humano: se sentir superior. No entanto, essa sensação de superioridade advém das bênçãos que Ele fornece, não seria então sensato Ele não oferecê-las?
Não, Deus não é gênio, Deus é um Pai bobo, um pai tão amoroso que sempre dar o melhor para seus filhos, Ele não é nada comunista de apenas dar a vara e o anzol para seu filho pescar, não, Ele fornece além da vara, os anzóis, as iscas, o manual de pesca e surpreendentemente, ainda dar os peixes; Deus graciosamente concede tudo e, humildemente, suplica para que não nos deixemos levar pelo que ganhamos. Bondade infinita é o que percebo em Deus, Ele não é sagaz, não é malicioso, não é calculista, Ele é...é ingênuo.
Sim, com todo o seu poder, sabedoria e tudo mais, Deus ainda consegue ser puro. Isso é incrível. Incrível mesmo! Por isso entendo esses caras que não acreditam em Deus, mas Deus é assim mesmo, é o jeito dEle. Por isso sou seu fã.
Deus é um pai incrivelmente tolo (digo essas coisas com toda reverência, confiando no que quero dizer). Nós somos facilmente iludidos. Com me iludi! Minha loucura foi pensar que eu era especial em detrimento dos outros. A questão é que Deus fez a todos nós especiais, qual o filho que o pai ama mais?
Minha conclusão é que sou igual a todos, porque todos são iguais para Deus.
Deus é bom demais para ser verdade não é verdade, Ele é bom demais de modo inacreditável.
Reconhecer que as diferenças são apenas a riqueza da diversidade. Reconhecer em cada pessoa um parente, evitaria muitas tristezas. Quando disse para mim mesmo: Você só é mais um dos especiais, foi fundamental para baixar minha crista e deixar de me considerar o ator principal para ser apenas mais um coadjuvante que trabalha para que o mocinho ganhe todo o destaque. O mocinho é Jesus.


O GÊNIO DA INGENUIDADE
O Jovem menino e o homem sem malícia
Assisti ao filme Peter Pan em 1977, tinha 6 para 7 anos, e alguma coisa daquela história de um menino que não queria crescer mexeu comigo. O fato do personagem ser interpretado por uma menina muito me irritou. Na infância e pré-adolescência, eu não tolerava meninas. Elas eram muito desengonçadas e moles, não serviam para brincar. Sou franco em dizer que o machismo sempre foi uma marca em minha personalidade, apesar de ser entre meus irmãos o mais mimado, sensível e sentimental. Só consegui deixar de chupar o dedo aos dezesseis anos, e por meio de um esforço titânico.
Mas voltando ao filme e ao personagem Peter Pan, de tal forma me identifiquei com ele que simplesmente me recusei a crescer. Dizia aos 12 anos: O Peter Pan tinha 12 anos. Aos 14: Na verdade eram 14. Aos 16: 16 ainda é ser criança. Era uma tentativa psicológica deu evitar ser adulto. O grupo Menudo, que tinha uma filosofia mercadológica de entretenimento para o público jovem, fazendo que sempre fossem substituídos os integrantes que saísse da adolescência e Michael Jackson, que dizia também se identificar com o personagem, acabaram sendo meus ícones dos anos 80. Na verdade, eu formei minha personalidade por uma gama de ícones, de cada um tirava um pouco para compor meu ego, misturava em mim, o Homem-Aranha, o Capitão América, o Bruce Lee, o Elvis Presley, o Robby, o Jonh Travolta e todo e qualquer herói ou artista que julgava interessante. Sem no entanto, deixar de ser eu mesmo, imitar por imitar, não combinava com meu ser egolátrico. Sendo o Peter Pan, de todos eles, o que fez manter em mim um ingenuidade rara, pouco compreendida pelas meninas com quem namorei, apesar de quase todas elas terem sido mais velhas do que eu.
O tom sarcástico de Peter Pan, seu machismo, seu jeito fanfarão, seu heroísmo, liderança e aparente insensibilidade são todas características da personalidade dos meninos, que eu tive de trabalhar muito para não deixar se fixar em mim definitivamente para ser o que sou hoje.
No entanto, ao contrário do Michael Jackson , que insiste em se identificar também como o personagem, eu não gosto de crianças, para mim elas ocupam o meu lugar, tenho inveja delas e, curiosamente, essa raiva que tenho delas faz com elas se interessem por mim de modo autêntico, já que elas sabem que os adultos sempre tentam comprá-las, eu não, enquanto “brigo” com elas, elas se divertem de verdade, e aí vira festa, eu voltando a ser criança e elas sendo o que são, se sentido bem comigo. Esse é o meu segredo em sempre ser o mais querido pelas crianças, pura psicologia do contrário involuntária.
Quando dos 17 para os 18 anos eu aceitei o cristianismo bíblico como meu modelo de fé e conduta, acabei me livrando das práticas sexuais ou dos eróticos namoros dos anos 90, evitei namoros e envolvimentos afetivos me dedicando apenas eu estudo do grego antigo, da mitologia, da teologia e da literatura até 1997.
Posso dizer que passei pela adolescência como uma criança e isso foi fundamental para ser o que sou, querendo ser um menino me fiz menino no cristianismo:

“Mas todos quantos receberam a Cristo, ou seja que creram nEle, Ele deu o
poder de serem feitos filhos de Deus” (Jo 1.12)
“Em verdade eu vos digo que qualquer que não receber o reino de Deus como
um menino, de maneira nenhuma entrará nele” (Mc 10.15)
“em verdade, em verdade vos digo que quem não nascer de novo não por
ver o Reino de Deus” (Jo 3.3)
“...sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas”, Mt 10.16;
“...sejais sábios para o bem, mas simples para o mal”, Rm 16.19; “...sede
crianças na malícia e adultos no entendimento”, 1 Co 14.20


A LOUCURA CONTIDA
Minha conversão se assemelhou muito a conversão do personagem Cristão do livro “O Peregrino”, assim como aquele foi considerado louco quando tentava sair da Cidade da Destruição, símbolo do estado dos homens sem salvação, também fui considerado louco por todas as pessoas que na época me eram queridas. Para se ter um idéia, meu pai me levou a um psiquiatra, minha mãe me levou a dois, os dois, desesperados, me levaram a um macumbeiro lá do nosso bairro, minha mãe ainda me fez visitar um centro espírita, meu pai chegou a ir a outro bairro comigo para consultarmos uma vidente. Tudo para tentar me ajudar a sair daquela agitação espiritual em que me encontrava, muitas pessoas tentaram me ajudar, um mulher chegou a se oferecer para dormir comigo pensando ser falta de sexo o que acontecia comigo. Reconheço a boa intenção de todos em desejarem que eu ficasse normal, deixando de citar a Bíblia, de falar de Deus e do fim do mundo de forma descontrolada, intensa, inconveniente e fanática. Até os crentes das igrejas do meu bairro, não entendiam o que acontecia comigo, todos achavam que eu estava com problemas psiquiátricos, com encosto, com macumba, etc. No fundo só o que eu queira era paz com Deus. Tinha sido iluminado com o fato de ter ignorado a Deus, a vida vindoura, minha própria salvação e espiritualidade, e queria consertar isso. E da melhor maneira, queria me penitenciar, perder tudo o que tinha para que Deus soubesse que estava arrependido. Minha mente fantasiosa também me levou a concepções e idéias dignas dos melhores esquizofrênicos, e esse era o perigo, algum psiquiatra julgar isso e me levar a um tratamento radical irreversível.
Como aquela ilustração que diz que a melhor maneira de se parar um carro em alta velocidade, sem destruí-lo é estando dentro dele, resolvi por mim mesmo frear com tudo aquilo, parei e pensei “Por que estou doido para as pessoas? Se falo que Jesus está prestes a voltar a qualquer instante, insistindo e persistindo para que todos saibam disso, já que estão cegos; por que estou louco se estou notadamente abandonando tudo o que acho errado. Não minto mais, nem para ser agradável, nem sociável; por que sou louco, por que resolvi fazer o que Cristo disse “deixar tudo e seguir seus ensinos”. Não entendia, mas ainda quando era os próprios religiosos que me achavam estranho. Desde que tinha sido despertado para assuntos espirituais, como o céu e o inferno, tudo eu faria para ter minha salvação, literalmente tudo, se eu soubesse que teria de vazar meus olhos para obter isso, não recusaria, destruiria a terra, mataria e faria qualquer outra coisa para ter direito de ir ao Céu depois da morte. Então porque me julgavam louco ou errado? Fui o ingênuo que resolveu fazer tudo o que lia na Bíblia, que renunciei tudo por Cristo, que não amava mais a própria vida, queria apenas ter a segurança da minha salvação. Mas não estava dando certo. Então decidi me conter, para o bem de todos e sofrimento meu.
Hoje sou um crente “normal”, parecido com os demais, a não ser pelo fato de perceber muitas coisas que a maioria não consegue ver, sou sociável e me dou com todos, faço vista grossa a ignorância das pessoas para com suas vidas espirituais, e tento com calma mostrar o caminho da salvação àqueles que estão cegos, mas esse controle é por eles, e para que todos não pensem que sou louco. Fico surpreso que não acontece tanto com as outras pessoas, o que aconteceu comigo. Vejo as outras pessoas se convertendo ao cristianismo sem alarde, sem sentirem suas misérias, e querendo despertar a todos para com as verdades espirituais. Mas cada um é cada um, e experiência de um difere da dos demais. O que sei é andei cego e perdido, longe do meu salvador, mas pela infinita graça de Deus fui despertado para enxergar que não adianta o homem ganhar o mundo inteiro e perder sua alma.
O rei Davi ficou certa vez louco para se livrar dos seus inimigos, mas eu, ao contrário, me fiz de ajuizado para ajudar tanto a mim como aos demais (1 Samuel 21.10-15).

“Porque, se enlouquecemos, é para Deus; e, se
conservamos o juízo, é para vós” (2 Co 5.13)

Deus
Vem me ajudar, pois estou só aqui.
Eu não sei por onde vou, qual o caminho a seguir.

Por quê, diga por que já não existe amor.
Eu não sei por que razão há tanto ódio entre irmãos.

Deus
Perdoe o mundo, ele não sabe que esqueceu do amor

Ó Deus
Ensine o caminho
Pois ele sozinho
Não sabe onde ir

Ó Deus...
Deus... tudo mudou, olha pra nós e vê
Eu não posso viver nesse mundo como está.
THE FEVERS



AS AVENTURAS DO PETER PAN CRISTÃO
Foi em meados dos anos 90 que eu conheci aquele menino, ele era apenas um bebê trabalhando como engraxate, sua caixa era minúscula e seu jeitinho muito me lembrou o Pequeno Príncipe, quando o vi pela primeira vez, eu estava sentado na praça do BNB, ele me perguntou se eu queria engraxar os sapatos, fiquei sensibilizado com o garoto e consenti, assim ficamos amigos, foi meu engraxate oficial por quase um ano, depois nunca mais o vi, foi inspirado nele que escrevi este opúsculo:

Peter Pan, O Menino Descalço
Pan, brasileiro de 14 anos. Sem alfabetização, mas cheio de imaginação.
É um gênio que não pôde estudar, seria um grande homem, com certeza um filósofo, não advogado!
Liderava os meninos perdidos do seu bairro até o coração da cidade.
Rouba e se diverte. Nunca foi pego pela polícia, é muito esperto.
Faz amigos entre os grandes, apesar dos pés descalços e de sua aparência, e dentre eles, de quem mais gosta é do Filósofo, ele lhe ensina muito, sem dar a entender para o Filósofo para não constrangê-lo (assim pensava o ufanado Peter).
Pan, que não é um delinqüente qualquer, possui carisma e até arte dramática, dissimula e finge com estilo. Mas não foi bobo de ser usado como um outro menino de rua que virou ator e teve um triste fim.
Ele é o melhor dos trombadinhas, todos os outros o respeitam. De vez em quando ele até livra certas senhoras, que se aparentam com mães, de coisas mais graves.
Os perdidos o chamam de “Capitão”, “Robin Hood”, “Líder dos super-‘amigos’”, mas de todos os apelidos que o destacam, o que ele mais gosta é “Peter Pan”. Ele viu o filme da janela de uma casa e se identificou totalmente com o personagem, mais ainda, na parte da “Terra do Nunca”, o lugar mágico do seu herói, que ele sempre resolveu acreditar para se sentir esperançoso, e fez dele sua “República de Platão” como aprendeu do filósofo.
Peter Pan é como diz o Presidente do Brasil: Um talento individual; só que no seu caso dos excluídos, trata-se do belo dos feios da vida perdida de alguns delinqüentes infantis. Ele não é mal, é justo em meio a sociedade que não pode aceitá-lo. Não pode mesmo! Ele não pôde ser instruído desde a infância como ensinou o sábio filósofo Platão na sua imaginada República.

O mágico
Peter corre sempre pelos fios-de-pedra das calçadas com grande equilíbrio, apenas para brincar e se exibir (Não sabe que ninguém olha para ele).
Ele chuta os papéis do chão com tanta elegância e maestria que quando sobem ao ar, parecem mágica mesmo!
Para ele o mundo é fantástico, como o é para todo garoto com infância prolongada.

O Conquistador
Ele conquista as meninas. Todas querem namorar com ele, mas ele nunca se satisfez com as meninas do seu mundo; como gostava de desafios, tentou conquistar as meninas-estudantes, e foi nisso que começou a descobrir a feiura e a rejeição de seu mundo. Passou a desejar estudar e se sentiu frustrado. Só foi salvo pela fé nos princípios platônicos.
É verdade que ele conseguiu conquistar muitas garotas estudadas, mas sempre dramatizava e fingia até o momento que lhe pediam para ler ou escrever, com isso, elas nunca mais o viam.


Moradia
Peter pan morou no mundo, não sabe quem o amamentou ou por ele se responsabilizou até os sete anos, depois viveu pela sua esperteza, muitas vezes só guiada pelo instinto de sobrevivência.
Com sua arte ganhou dinheiro das platéias na praça, e por isso se dava ao luxo de muitas vezes dormir em caros hotéis, onde aproveitava e estudava as pessoas e inventava outros meios de defraudar.
Morou em circos, com ciganos, em conventos, seminários e até em universidades.

Drogas
Foi impossível que Peter não usasse drogas. Mas sabem como ele conseguiu se livrar delas? Por causa de sua alma! Peter sentia que estava perdendo a vontade própria, e ele não era de ser conduzido por ninguém, nem precisava das drogas para ter coragem, ele queria estar acordado para saber o que realmente estava fazendo. Sua alma era mais forte que a droga, sua força de vontade prevaleceu contra o vício e aquela força que surgia de seu organismo contaminado quase incontrolável foi derrotada.
Quando venceu Peter se sentiu muito mais forte e genial. Seu ego subiu até o céu e por isso conseguiu que muitos outros meninos também deixassem aqueles produtos que os adultos inventavam e depois se envergonhavam.

Fome
Peter nunca experimentou a fome por muito tempo, quando queria comer e não encontrava restos de refeições, ou nenhuma castanhola ou alguma árvore frutífera dando sopa, ele pedia.
Ele não sabia definir isso como humildade ou sinceridade, mas o fato é que isto era o que acontecia quando a fome começava a chegar perto.
Líder de Movimento
Uma vez Peter foi descoberto. Alguns homens que só pensavam em dinheiro, ou melhor, em lucro, tentaram fazer dele um líder político ou chefe de movimento revolucionário para combater a forma estúpida da vida das pessoas. Mas sabem como ele se livrou deles? Ele disse: “Minha experiência ensinou que não sou da sociedade, por isso é muito fácil se concluir o inverso!”.

Tentando Entender
O mundo era estranho para Peter. Ele não entendia de geografia (talvez nem se ligasse que a terra era redonda), história, idiomas, leis, regimes políticos, economia...Mas sua fé o conduziu sempre, nela encontrava forças para nortear suas pesquisas e observações.
Ele entendia as coisas com outros olhos e por isso era diferente e genial, mas às vezes se tornava ingênuo e bobo como um louco.
Possuía muitas noções de justiça, guerra e outras coisas, mas não eram claras e organizadas.
O fato é que em algumas coisas, ele parecia um mestre e noutras um super-ignorante (uma vez ele pensou quando viu um mapa que as pessoas moravam dentro daquelas regiões pintadas e não na superfície, em todo caso aquilo não importava muito para ele, mas apesar disso ele incentivava para que os meninos perdidos fossem à escola, ele sabia de alguma forma que seu caso era uma exceção).
Também não entendia a indiferença dos outros ao sofrimento alheio. Mas não era desesperado com a morte (Graças a “Terra do Nunca” é claro!).
Os termos “amor”, “paz”, “alegria” e “caráter” possuíam outros nomes e as vezes eram confundidos por ele de um modo surpreendente e impressionante, naquilo que podemos chamar de nomenclatura de Peter Pan.
Achava engraçado as pinturas dos rostos das mulheres. Será que imitavam os índios que se pintavam para ganharem coragem?? Para ficarem mais bonitas decididamente não podiam, as mulheres feias sempre são feias, e as bonitas, bonitas, não importa a roupa, o penteado ou os acessórios malucos que usem.

O Pecado
Um dia passeando pelo parque do Oeste, Peter descobriu que tinha perdido sua inocência, não era tão puro e expontâneo como antigamente.
Se sentiu mal e abatido. A alegria tinha ido embora.
As idéias da “Terra do Nunca” desta vez não conseguiram confortá-lo. E isto o intrigou e desanimou, é como se a própria esperança da sua fé se tornasse impossível.
Aquela crise fez Peter sair de cena e se assemelhar um pouco aos homens materialistas. Conseguiu uns empregos até chegar a velhice.

O Retorno Ao Platonismo
Hoje ainda podemos encontrar o Peter Pan, ele não deixou de ser menino, pois não sabe ler e escrever. Ele é um porteiro numa dessas igrejinhas da periferia. Lá, ele encontrou um bom local para ficar, e fez certa associação entre a “Terra do Nunca” e o chamado “Reino dos Céus”. Só não gosta de ter de dividir a liderança dos perdidos com o Jesus Cristo, mas sua idade ensinou a dar lugar aos mais jovens, e pelo que pode entender em sua rude fé cristã, Jesus ensinará naquela terra maravilhosa uma filosofia melhor, e por isso Peter não se importa de ser o menor no Reino dos Céus (ou será que Pan sabe que o menor nele será o maior? – não dar para saber!).


















































PARTE 2

PARA 1991
Foi quando eu me desfazia de velhos papéis e livros em 1997 que encontrei minha antiga agenda escolar de 1987. O número do telefone da Socorro estava logo na primeira página, escrito de uma forma contundente, transparecendo que quando o anotei, eu queria que ele ficasse destacado. Estava ali a mais de 10 anos totalmente ignorado por mim e agora por um feliz acaso o encontrara.
Minhas tentativas de me encontrar novamente com a Socorro só começaram quando eu percebi ser ela a única mulher que de fato amei. Todas as garotas com quem tinha namorado não tinham nenhum significado para mim, não me deixaram pensativo nem saudoso, somente a Socorro. Acredito que esse sentimento único que tive pela Socorro em parte se deve a idade adolescente que tínhamos quando namoramos, o fato daquela idade vívida (17) ser exclusiva estabeleceu, segundo penso, certa relação com o romance que o singularizou definitivamente, tornando-o imortal e sem comparação.
Antes de encontrar o número telefônico procurei encontrá-la através do arquivo do colégio, onde os endereços dos alunos ficam junto com outros dados pessoais e estudantis, mas a arquivista se negava a conceder-me o endereço da Socorro, dizia que isso só poderia ser feito com uma ordem judicial. Assim me vi impossibilitado de reencontrá-la, o que me frustrou bastante.
A frustração deu lugar a uma profunda melancolia, logo acabei me desinteressando pelas outras garotas e ficando cada vez mais solitário. Nos momentos de folga das minhas atividades ou eu estava ouvindo músicas românticas ou estava caminhando pela Praia do Futuro.
Depois que encontrei o número fiquei dias na indecisão. Temia saber que ela estaria comprometida com alguém, imaginava o que diria, como ela reagira, se com surpresa ou com desprezo, foram dias horríveis. Mas enfim liguei:
– Alô!
Uma voz idosa feminina atendera. Julguei ser a mãe dela.
– Alô, eu gostaria de falar com a Socorro!
– Quem quer falar com ela?
Não esperava aquela indagação de outra pessoa, tinha me preparado para fazer uma brincadeira com ela tipo “adivinha quem estava falando?” para quebrar o gelo e introduzir o diálogo. Desesperado disse:
– É um amigo!
– Que amigo?
“E agora... (Pensei)... o que eu digo?”
– É um amigo do Colégio.
– Ela não está não.
Senti que a senhora não queria deixar sua filha falar comigo. Agradeci e desliguei desolado. Tentei mais duas vezes mas sempre era a senhora investigadora quem atendia o fone. Na terceira tentativa ela foi direta e me pediu para não mais ligar, já que a Socorro estava noiva. Aquilo me matou completamente, fiquei sem esperanças e desfalecido.
Nesta fase escrevi poemas tristes que abaixo transcrevo três:

E O VENTO LEVOU...
Não há mais nada a fazer, sua vida seguirá o caminho traçado.
Os eventos do passado a nosso respeito não possuem nenhuma força para alterar o ruma da vida dela.
Para mim poderiam, mas somente eu não conseguirei mudar as coisas.
Tudo a nosso respeito está perdido!
As circunstâncias do passado e do presente não foram favoráveis.
O grande amor da minha vida se foi,
Fiquei na expectativa do que seria um milagre, é o que resta para nos unir;
Uma estupenda sorte, uma mágica mudança de situação, e tem de ser rápida, imediatamente rápida!
É minha esperança de ainda tê-la, o que se logo vê encontra-se no reino do improvável inusitado absurdo bom da vida.
Ocorre ainda que mesmo agora não tenho condições de tê-la, somos incompatíveis em muitas coisas; eu não poderia realizar seus sonhos.
O fato de seus dias futuros estarem traçados com a fatalidade do inevitável são suficientes para nem mesmo haver conjecturas de possuí-la em meus braços, mais ainda há isto: inviabilidade e minha incapacidade de dar-lhe as coisas que deseja.
Tragédia de amor que o vento,
Que o vento levou... (1997)

VOLTAR NO TEMPO
Encontrando seu nome na lista telefônica resolvi voltar ao passado, coisa arriscada, muito perigosa mesmo.
Invadir a vida das pessoas vindo de outro tempo pode atrapalhar o presente delas. É algo que se deve pensar bastante.
Mas a força nostálgica falou mais alta, e liguei.
Não falei com ela, tive sorte, soube de seu noivado e imediatamente interrompi a tentativa do encontro. Como não me identifiquei de forma alguma, nada do passado foi tocado e tudo permaneceu como antes.
Aprendi uma grande lição:
Não querer voltar do passado é essencial para o bem de nossos amigos, podemos não só prejudicar suas vidas mas também destruir os velhos tempos.
Que a vida siga seu curso. (1997)

“Não há chance para nós
Tudo está decidido para nós”
(who wants to live forever, Queen)


O ENCONTRO NO FUTURO
Deveríamos termos marcado um encontro no futuro.
Ah que saudade tenho de você e da nossa turma.
Se houvesse o encontro veríamos o que houve conosco, onde estaríamos depois de muitos anos.
Onde estão vocês?
Onde estão vocês agora?
Mas devo saber: o que importa é que vivemos, quando vivemos, um encontro no futuro só teria seu valor pelo passado vivido. Devo sempre lembrar que o passado existiu, e que foi bom da forma que era para ser, como tudo tinha de acontecer.
Foi bom! (tento me consolar) [1997]

“Nosso romance é uma coisa maravilhosa.
Que sempre vamos relembrar com alegria.
Que nosso amor nasceu em nosso primeiro abraço.
E uma página foi arrancada do tempo e do espaço.
Que nosso romance sempre seja uma chama acesa pela eternidade
Então, pegue a minha mão e oremos com fervor para que possamos viver e compartilhar nosso romance inesquecível”
(tradução da música do filme Tarde Demais Para Esquecer)

Mas a sorte (ou a ironia) estava do meu lado. Três anos depois encontrei meu velho amigo Ricardo do Colégio, que disse tê-la visto e que não achava que estava noiva coisíssima nenhuma. Deduzi então ser uma manobra da mãe super ciumenta da Socorro. Assim resolvi ligar de novo.
– Alô!
Uma voz agora adolescente atendeu o telefone. Devia ser a Michelle, a sobrinha da Socorro que eu vira numa foto que ela uma vez mostrou para a turma, onde estavam ela, a linda garotinha e uma artista da televisão, notei quando ela mencionou a menina uma voz terna e um brilho no olhar que mostrava o carinho gigantesco que a Socorro tinha por ela (por isso nunca esqueci seu nome).
– Eu queria falar com a Socorro!
– Eu vou chamá-la!
– Obrigado, muito obrigado!
Valeu Michelle!!! Eu te amo!!!! Gritei em minha mente de euforia.
– Alô...
Quando ouvi sua voz grave e sensual eu tremi, relembrei seu timbre e fiquei emocionado.
– Alô, quem fala?
– Alô, Socorro, tudo bem? Adivinha quem tá falando?
– Oi, tudo bem Shaolin!
Fiquei estarrecido, como ela podia se lembrar de mim depois de tanto tempo? (10 anos! – Pensei consigo.).
– Como você soube que era eu?
– Tua voz é inconfundível Shaolin.
– Puxa estou impressionado!!
E também mais confiante que talvez ainda poderia conquistá-la para mim.
– Mais impressionada estou eu. Não sei como você tem coragem de me ligar depois do que você fez comigo.
– Oh, Socorro, desculpe! Eu falei como um insensato, eu não estava bem naquele dia, acredite em mim.
– Você não sabe como eu fiquei arrasada! Eu estava começando a gostar de você , sabia?
Agora eu tinha motivos para me lamentar mais ainda.
– Eu sei meu amor, mas me perdoe, entenda que aquilo que eu disse foi uma bobagem e não há qualquer possibilidade de ter alguma chance de ser verdade, pois ninguém diz aquilo nem para o pior inimigo.
– E você só vem me dizer isso agora?!
– É que agora eu descobrir o que você significa para mim.
– E o que é?
– Só digo olhando nos teus olhos.
– Shaolin, Shaolin!
– Por favor Socorro, vamos nos encontrar, preciso falar com você.
– Não sei se seria legal.
– Por favor, pode ser na Beira-Mar, na Praça do Colégio, sei lá, onde você achar melhor, mas eu queria conversar com você, queria pedir desculpas pessoalmente! Por favor!
– Acho melhor não Shaolin, além do mais estou muito ocupada nesses dias.
– Eu espero um momento que seja bom para você, mas por favor não me negue esse encontro, eu preciso falar algo para você que mudará todo pensamento que você tem a meu respeito. Por favor! Por favor!
– Está bem, me dá teu número quando eu estiver mais, livre eu te ligo.
– Valeu Socorro, você não sabe como eu estou feliz, eu estava ansioso por esse encontro. Obrigado!
– Ok! Tchau!
– Tchau, querida!
Passaram-se quatro semanas e nada da Socorro ligar. Sem puder agüentar mais Shaolin ligou novamente. Temeu que a mãe dela pudesse atender, mas agora sempre quem atendia era a doce Michelle, o que tornou as coisas mais fáceis. Segundo a Socorro, ela havia ligado para ele, mas a telefonista informara que o número era inexistente, os dois conferiram o número e viram que não havia erro, era o mesmo número. Mas sem perder tempo tentando saber o porquê daquele problema, Shaolin insistiu no encontro para que fosse logo. Com tanta insistência, ela acabou cedendo e marcaram o encontro para o Sábado, no Cine São Luiz, no centro de Fortaleza, onde após um filme enfim conversariam.
Socorro esperou quase uma hora e nada do Shaolin, não sabia como ele podia fazer isso com ela, depois de tanto insistir nesse encontro, era uma grosseria, coisa que ele não tinha dificuldade de fazer. Aborrecida ela foi embora, lamentando em cada passo o instante que aceitou o convite.
No dia seguinte, Shaolin liga para Socorro, mas ela não quis ouvir desculpas, disse adeus e desligou o telefone.
Por vários dias foi assim. Até que cansada ela cedeu e ouviu o que para ela foi a mais esfarrapada desculpa que já ouvira, de que ele havia ido ao encontro uma hora antes e que ficara por três horas a esperando ansioso. Aquilo soou como brincadeira de mal-gosto. Mas ele jurava que dizia a verdade. De tanto persistir por dias a fio, ela acabou concordando, alguma coisa tinha mudado nele, estava mais falante, mais culto, argumentativo, parecia outra pessoa, o novo encontro seria no mesmo local para não haver erro.
Daquela vez Socorro só esperou meia hora, depois de algumas horas, já em sua casa, o telefone tocava ininterruptamente.
Ele parecia orar tenso no fone, seus pensamentos eram preenchidos de frases curtas como “Vamos querida atenda!”, “Por favor meu amor atenda!”, “O que foi que houve desta vez??”.
Enfim ela atendeu desgostosa e ouviu estarrecida a mesma absurda afirmativa de que ele não só havia ido ao encontro como tinha ligado várias vezes de um telefone público mas a linha também como daquela vez parecia não existir. Socorro ficou impaciente e pediu que ele não mais a procurasse e desligou o telefone.
Shaolin ficou desesperado, não sabia o que fazer, ligava insistentemente, mas quando ela percebia que era ele, desligava cada vez mais aborrecida. Por isso Shaolin evitou ligar por um bom tempo o que exigiu muito dele em matéria de paciência, não agüentava aguardar sabendo que agora podiam se ver novamente depois de tanto tempo. Passou a relembrar todos os bons momentos que viveram como forma de compensar a compulsão terrível de ligar para ela. Sua paciência durou longos 16 dias, mas surtiu efeito, depois desse tempo ele ligou e ela atendeu.
– Socorro, eu juro que fui aos encontros, não iria deixar de ir por nada desse mundo. Por favor me dá mais uma chance!
– Não, não, cansei, o que você tem de me falar, fale agora pelo telefone. Eu não irei mais a esses seus encontros.
Ele se viu sem recursos.
– O que eu quero te dizer querida, é que eu te amo como nunca amei ninguém na minha vida; e que descobri que você é a mulher da minha vida e que sem você minha vida não tem sentido. Eu não sei o que aconteceu, mas eu fui aos dois encontros cheio de vontade para te dizer isso meu amor da forma mais sincera que pudesses existir. Eu te amo Socorro! Te amo muito. Muito, muito, muito!
– Por favor não ligue mais para mim, eu não lhe desejo mal nenhum, eu não sei o que eu ti fiz, me deixe em paz, por favor. Me deixe em paz!
Quando percebeu que Socorro tinha dito aquilo em lágrimas, Shaolin desmoronou e começou a chorar também e angustiando rogou:
– Socorro, eu não estou brincando com você querida, é verdade, eu não sei o que dizer...eu...eu estou sendo sincero...eu...
– Shaolin não ligue mais por favor!
Aos bips da queda da ligação telefônica Shaolin se viu desesperado. Decidiu ir trás da Socorro e esclarecer tudo aquilo e mostrar-lhe que ele não brincava com seus sentimentos.
Na central telefônica, ele se espantou em saber que a mais de oito anos aquele número que achara em sua agenda e que pelo qual havia conversado com a Socorro, não mais estava em uso. Mas conseguiu o endereço do qual era o número. Indo ao local, ele encontrou uma farmácia no lugar que seria a casa dela. Perguntando pela vizinhança se alguém conhecia um moça alta, que era fã dos Menudos e que se chamava Novinha, ele acabou ouvindo a coisa mais estranha da sua vida, de uma garota que tinha sido uma grande amiga da Socorro.
– A Novinha morreu! Já fazem mais de sete anos. Foi num acidente de carro.
– Mas não pode. Ontem eu conversei com ela por telefone.
– Acho que o senhor está confundindo ela com outra pessoa.
Shaolin estava atônito, não sabia no que acreditar. Transtornado ele conseguiu a confirmação da história da garota, de fato não parecia ser engano que a Socorro havia morrido. Ele sentiu uma angústia na alma, não conseguia engolir a saliva sentindo um gosto amargo na boca que parecia tomar todo o seu corpo.
Ao chegar em casa, ele tentou entender o que estava acontecendo. Por impulso só fez o que parecia mais óbvio, discou novamente o número.
– Alô...
– Socorro?! Graças a Deus!
– Olha Shaolin, eu já disse que não quero mais conversar com você. Ontem mesmo já fui trocar o número daqui de casa.
– Socorro, o que está havendo? Onde você mora? É na Rua Zc. n° 1012?
– Shaolin por favor me deixe em paz, o que houve entre nós acabou, agora é cada um cuidar da sua vida.
– Meu Deus! Socorro onde você mora? Eu fui no endereço desse número telefônico e lá me informaram que você está morta. Como pode??!
– Eu não sei, mas é melhor você me considerar assim mesmo, eu estou cansada desta brincadeira.
– Mas querida, disseram que você morreu em 1992 num acidente de automóvel!
– Não, não precisa esperar que no ano que vem eu morra, eu já estou morta para você Shaolin, tchau!
“Ano que vêm?!” Aquilo ficou martelando a cabeça de Shaolin depois que a Socorro desligou o telefone, sem que nada fizesse sentido.
Ele tentou naqueles dias incessantemente outra ligação, seus dedos ficaram dormentes de tanto discar aquele número. Por algum tempo (3 dias), ele notou que a Socorro tirara o telefone do gancho, depois ficou claro que ela mudara o número. No entanto, parecia razoável que haviam feito um tipo de trote com o Shaolin, não conseguia raciocinar ante a intrincada trama. Por fim, acreditou mesmo em sua morte.
Shaolin passou os últimos anos sozinho, evitava pessoas e quase não saiu mais de casa. Só era visto quando andava pela praia, sempre com um olhar triste e perdido. Até que recebeu um telefonema em 2002.


BARULHO DO MAR
Se antes minha diversão era caminhar sozinho pela praia do Futuro, mergulhado em minhas recordações, agora era um hábito quase diário. A notícia da morte da Socorro me deixou um vazio terrível, agora não mais podia imaginar futuros encontros, sentia-me sem esperança, não há nada pior do que perder a esperança, não é a toa que na porta do inferno imaginado pelo poeta Dante Aligueri tinha os dizeres “Deixai entrar aqui toda a esperança”. Vivi um tipo de inferno, a beleza daquela praia maravilhosa me atormentava por não tê-la comigo, mas minha solidão não passou desapercebida. Certo dia, quando estava sentado observando a imensidão do mar, se aproximou de mim uma belíssima garota e sem pedir permissão sentou ao meu lado. Olhei-a admirado, ela deu um sorriso maravilhoso ao mesmo tempo que estendia sua mão em minha direção, dizendo:
– Oi, meu nome é Valéria, eu estava te observando.
– Observando-me?!
– Sim, você sempre está aqui e eu acabei prestando atenção em você. Não é sempre que vemos alguém dançando na beira da praia.
Fiz uma careta de envergonhado.
– Ih, você viu?!
– Hum-rum!
– Eu também brinco de luta.
– Brincar? Cara você é um mestre em artes marciais, os saltos e os golpes que eu vejo você fazendo são sensacionais.
– De onde você me vê?
– Do apartamento que estou, naquela pousada ali.
Ela apontou o hotel no fim do calçadão da praia do Futuro (Fortaleza Praia Hotel).
– Eu gosto desse lugar, me serve de terapia.
– Se eu morasse em Fortaleza, também sempre estaria aqui.
– Onde você mora?
– Brasília.
– Nossa!
– Não gosta de política?
– Não diria de política, mas de política partidária. Acho a ciência política interessante, principalmente no livro “O Príncipe” de Maquiavel, ele diz uma coisa certa “o fim justifica os meios para o político” , não tem como você ser um bom político se não for inescrupuloso.
– Você acha isso mesmo?
– Claro. Quem foi o melhor político do Brasil?
– Getúlio!
– Mas também foi o mais sagaz e ardiloso.
– Não sei, acho que você generaliza muito.
– Pode ser mas o sistema político é assim.
– Mas você vota?
– Nulo!
– Você não acha que está se excluindo assim.
– Não, pago meus impostos, e por isso posso exigir meus direitos e cobrar de quem quer que esteja no poder que saiba usar o dinheiro da nação. Já elaborei também alguns projetos de lei e ofereci a alguns Deputados que os acharam justos, e estão lutando para serem aprovados.
– Foi mesmo! Quais?
– Num deles sugestiono que todos os filhos de políticos, do Vereador ao Presidente, sejam obrigados enquanto estiverem no poder a recorrerem aos serviços públicos, um Senador, por exemplo, deve se tratar num hospital público, os seus filhos devem estudar em colégios públicos, e assim por diante, só dessa forma as coisas melhorariam no nosso país.
– Interessante!
– Mas o que você faz em Fortaleza?
– Estou de férias.
– Sei, do trabalho ou do Colégio?
– Da faculdade.
– Faz o quê?
– Psicologia, no sexto semestre.
– Psicologia? Puxa que bom, deve ser interessante. Só me olhando assim, o que você diria a meu respeito?
– Bem, não é assim, não se estuda psicologia para nos primeiros minutos termos um perfil completo de alguém, mas com certeza você me é uma pessoa interessante, demonstra em outras coisas uma carência ao mesmo tempo que diz não querer nada.
– Por que você acha isso?
– Geralmente quem dança quer ser visto, mas você o faz sem esse propósito, assim cria uma contradição.
– Na verdade eu danço para conseguir flexibilidade e controle do meu corpo. Mas em parte você está certa, tenho uma carência, e não é que não consiga satisfazê-la, é porque não é mais possível.
– Posso saber?
Contei toda minha história para Valéria, ela ouviu atenta, sempre fazendo perguntas, era muito bonita e inteligente, seu corpo era perfeito, tinha um olhar doce e flanco e se mostrava muito interessada em mim, o que me deixava muito satisfeito.
– E além da Socorro, você namorou outras garotas?
– Claro, mas só serviram para me mostrar o quanto ela me foi especial.
– Não compreendo essa maneira de gostar de alguém, cada pessoa tem seu valor, sua beleza, suas distinções, não vejo porque se concentrar afetivamente em uma única pessoa. Tenho certeza que há muitas meninas mais bonitas do que essa Socorro.
– Não se trata de um concurso de beleza, foi mais a história que vivemos, e quando a vivemos, é isso que a tornou especial.
– É...acho que esse foi meu problema: não tive história com nenhum garoto, namorei muito um e outro sem muito envolvimento. Sabe...tem peso um amor de verdade.
– Como assim?
– Eu não ficaria grilada se me casasse com um homem que tivesse em seu currículo centenas de namoradas, mas se ele tivesse um grande amor assim como você...
– Entendo.
– E ela? Será que gostou de você?
– Acho que não, não sei.
– Nem sabendo que ela pode está morta, você não pensa em investir num novo amor?
– Sim, se houvesse uma mulher que me amasse como eu a amei. Ser amado é tão importante como amar, tenho certeza que se a Socorro tivesse tido ciência do carinho que eu tinha por ela teria me amado também. De mim mesmo acho difícil me interessar por outra pessoa, seria preciso a pessoa se interessar por mim para me atrair ao seu amor.
– Puxa queria sentir isso por alguém.
– Uma dia sentirá.
– Acho difícil, banalizei muito o meu relacionamento com o sexo oposto.
– É só começar tudo de novo.
– É tão fácil conversar com você.
– Efeito da contenção.
– Efeito da contenção?
– Na pré-adolescência e adolescência eu tinha um problema de gagueira. Por vergonha eu praticamente não falava, tive de conter minhas idéias, opiniões, perguntas com uma enorme e crescente frustração. Quando comecei a escrever não consegui mais parar, encontrei um meio de me explorar e me tornei mais ainda cheios de idéias, tinha então muito assunto, mas minha limitação permanecia, até quando comecei a desenvolver minhas técnicas de respiração do Kung Fu, conseguindo ganhar articulação e fluência, e assim acabei me tornando num eloqüente e profundo conferencista de encontros de mocidade cristã.
– Incrível.
– Pode crer, os gagos são mais meditativos.
– Deve ter sido difícil e triste ficar calado quando você gaguejava?
– É mais triste agora!
– Como assim?
– Na época, eu não entendia as limitações que esse meu problema me dava, só depois percebi o quanto eu perdi. Quero dizer que não fui um menino triste, acredito que isso não existe, toda criança é feliz, ela sabe usar o que tem para brincar e se divertir. Uma vez ouvi um depoimento de um artista famoso que fazia um melodrama da sua infância pobre, querendo dizer que fora muito infeliz naquela fase, julguei aquilo prejudicial as crianças pobres que o ouvissem, elas poderiam pensar que só são felizes as crianças ricas.
– Entendo.
Conversei com Valéria um longo tempo naquela tarde ensolarada. Aquelas conversas duraram todo o período das férias. Ensinei-lhe a escutar o barulho do mar como aponto em meu poema que leva esse nome:

BARULHO DO MAR
Vento em movimento sobre as águas que produz espumas brancas.
Ferve a praia.
Gostaria de escrever o ruído da margem do mar.
Mas a palavra não comunicaria o sentimento poético de escutá-lo.
Muitos não escutam mais o som do mar, é fácil acontecer isso, nossas ansiedades nos tornam inconscientes a sua melodia, surdos, só ouvimos nossos pensamentos preocupantes, nossos problemas; sim, nossos problemas engolem o mar.
Nós perdemos também em querer ser vistos ou vê.
O barulho do mar é tão natural, que logo não mais o percebemos, ele faz parte do ambiente, também esse detalhe nos dificulta ouvi-lo.
Sentado na areia diante do gigante, lembrarei da poesia que agora escrevo, simplesmente ouvirei o som do seu fundo musical.
Vejam-me lá, parado e relaxado.
Só eu me compreendo, naquele momento, os que passam ou passarão, vêem apenas um homem sentado, sentado a beira do mar; e nem imaginam a profundidade daquele momento, tão pouco escutam atentamente a música, o som ambiente, o barulho, o cântico do mar, contínuo e suave...

– Puxa, eu nunca tinha percebido o som do mar, é tão imenso, tão relaxante.
– A maioria da pessoas só ouvem o mar quando estão longe dele.
– Como assim?
– Quando colocam o ouvido num búzio ou em algum outro objeto côncavo.
– Ah...é verdade!
– Costumo também ouvir cada onda quebrando, observe aquela onda que está se formando.
– Sim.
– Vá acompanhando-a, ouvindo suas bolhas estourando, a espuma deslizando até a arreia.
– Puxa! É incrível!
Eu e Valéria acabamos namorando naquelas férias, foi bom para mim e para ela, mas era um namoro mais alicerçado na amizade que na atração, às vezes até esquecíamos de nos beijar, absorvidos na conversar ou no barulho do mar.


2010
O Pátio Dom Luís é o que de mais moderno existe em matéria de Shopping-Center em Fortaleza, nele se faz a compra global, a nova febre consumista desses anos, criada para facilitar as compras de produtos que antes só existiam nos Estados Unidos. Na compra global o cliente compra em dolar americano um produto dos Estados Unidos como se estivesse lá. Desde 2006 a moeda americana circula livremente na economia brasileira, já há empresas que pagam parte do salários dos funcionários em dolar. As mudanças da economia trouxeram vantagens e desvantagens, no caso da compra global o brasileiro compra um produto mais barato, mas o imposto é inserido diretamente na economia americana. Para os do movimento “Não Somos Colônia – Independência E Progresso” encabeçado por Haroldo, um ex-militante do movimento estudantil da década de oitenta, isso não passa de um pagamento da dívida externa do Brasil na fonte, o que tirou grosseiramente a soberania brasileira, segundo Haroldo os dizeres da bandeira deveriam mudar de “Ordem e Progresso” para “Independência e Progresso”, além do termo “Ordem” lembrar a ditadura militar, “a ordem só é aplicada aos pobres e o progresso para o os ricos”; a troca dos dizeres levaria o povo brasileiro a tomar ciência da sua soberania como país o que a compra global estava tomando aos poucos. Para outros a compra global foi ótima, pois pelos menos eliminou algumas burocracias econômicas que só servia para o governo ter gastos como os burocratas das mesmas. O problema real segundo Haroldo é que o processo da compra global não é aplicado na mesma medida na economia brasileira, os americanos recebem o imposto deles em solo brasileiro, mas o Brasil não.
Por outro lado, o sistema de transporte coletivo de Fortaleza com a implantação do cartão de passagens eletrônico fez com que os ônibus ficassem com a passagem mais barata para a população, além de evitar os assaltos nos coletivos e os acidentes e inconveniências dos transportes alternativos (as extintas vans). O cuidado também em não mais valorizar os veículos particulares e sim os coletivos, criando vias exclusivas para os ônibus, desafogou o trânsito, fazendo com que o fluxo de veículos se tornasse mais ágil, e o tempo, tão importante, passou a ser melhor aproveitado por todos. Copiado por quase todo o Brasil, a nova estrutura do sistema de transportes urbanos foi um dos pontos fortes da economia do país; o Brasil aprendeu que a economia (a sábia administração) deve em primeiro lugar ser aplicada ao tempo, aumentando-se a velocidade ganha-se em energia, não devemos pensar que a fórmula de Einstein: energia é igual a relação multiplicadora da massa com a velocidade (E=M.C2) tenha sua aplicação apenas na construção de bombas atômicas. A partir de 2006 as pessoas descobriram que o luxo não era mais ter um belo carro, uma mansão, ou investimentos, mas o tempo, eis o luxo do futuro.
Mas foi por causa da compra global que João Ricardo foi ao Pátio Dom Luís, e lá foi visto pela Socorro, que ao reconhecê-lo de imediato o chamou:
– Ricardo!
Quando Ricardo olhou aquela mulher na cadeira de rodas não identificou de imediato que era sua velha colega de Colégio, mas ao aproximar-se:
– Socorro! Tudo bem menudete?
– Tudo bem Ricardo, apesar deu não mais puder andar...
Ela disse em tom de resignação.
– Como foi isso?
– Um acidente de carro em 1992.
– Puxa, eu lamento muito!
– Eu mais, no entanto eu poderia ter morrido e em parte só escapei por causa do Shaolin, lembra dele?
– Claro, mas como?
– Ele me tinha ligado uns meses antes do acidente me avisando que eu poderia morrer num acidente automobilístico.
– Ele adivinhou o futuro?!
– Não sei. O fato porém é que de alguma forma aquele telefonema me deixou alerta, toda vida que eu andava de carro, ficava atenta e pronta, no dia do acidente foi essa sensação de perigo que me livrou da morte.
– Ele explicou como fez isso?
– Pois é, eu não mais falei com ele.
– Mas porquê, não tem o número telefônico dele?
– Não, eu até tenho, o problema é que eu o tratei tão mal e não tenho coragem de tentar falar com ele.
– Mas tenho certeza que ele adoraria falar como você.
– Não, não!
Repentinamente Ricardo teve um estalo.
– Já sei! “Tarde Demais Para Esquecer”.
– Como?
– O filme “Tarde Demais Para Esquecer”, assistiu?
– Ah, sim, assisti! Mas o que tem a ver?
– Você não o procurou porque não deseja que ele pense que quer tentar se relacionar com ele agora só porque está paralítica.
– Não, não!
– É sim Socorro, admita.
– Mas...poderia dar a entender isso mesmo Ricardo.
– Mas Socorro, o Shaolin é louco por este filme.
– Como assim? Não entendi.
– “Em Tarde Demais Para Esquecer” os dois amantes não ficam juntos mesmo ela sendo paralítica? Pode crer Socorro, o Shaolin não se importaria de ficar com você, mesmo você tendo essa deficiência, ele te ama.
– Mas eu não quero.
– É claro que quer e ele também. Puxa Socorro dê uma chance para você.
– Ricardo... eu... eu o tratei tão mal. Ele me disse coisas lindas e eu, eu o empurrei para longe de mim para sempre.
– Não Socorro, só será assim se você quiser. Deixa eu falar com ele.
– Não Ricardo! De forma alguma, se ele tiver de saber, saberá de mim mesma.
– Então procure-o Socorro, ele precisa de você, acredite.
O silêncio entre uma troca de olhar fixo entre os dois amigos desvendou toda a tristeza daquela mulher, sinalizada pelas lágrimas quentes que rolaram de seu rosto. Entre soluços ela falou quase inaudível e de uma forma dramática e comovente.
– Eu tenho tanto medo...
– Ele te ama Socorro!
– Eu sei, mas não é justo, não é justo eu o procurar agora.
– Você não sabe como ele tinha desejo de conversar com você, faz anos que eu não vejo o Shaolin, mas eu não tenho dúvida que ainda hoje ela fala de você, escreve sobre você e te deseja ver mais do que tudo.
– Eu sei, quando ele me ligou eu senti em poucos segundos o seu amor gigante, eu nunca me senti tão amada, mas no momento em que falávamos eu...sei lá... agi ao contrário, deixei minha raiva pelos nossos desencontros inexplicáveis tomar o lugar daquele sentimento de amor e o dispensei grosseiramente.
– Você ainda pode consertar isso, ligue para ele!
Procurando mudar de assunto, Socorro indagou:
– Sim, e você, como vai? Pela aliança percebo que se casou, tem filhos?
– Sim, dois, o mais velho esta cursando a Universidade Federal.
– É mesmo! Que bom!
– Só não é melhor porque as Universidades públicas são agora o que foi o Colégio Liceu nas décadas de 80 e 90, uma simples lembrança do bom colégio dos anos 50 e 60.
– Puxa é mesmo! Que dizer que o ensino superior público perdeu o valor.
– É. Antes o Segundo Grau bom e competitivo era o de Colégio particular, agora isso se estendeu as Universidades também. O governo não paga bem os professores universitários, não há nenhum investimento na área educação em nível superior.
– Puxa que pena.
– Só para você ter uma idéia, não existe mais vestibular para se ingressar nas Universidades Públicas, qualquer um que tenha o Segundo Grau pode freqüentar, ficou parecido quando nós terminávamos e Primeiro Grau antigamente.
– É lamentável!
– Mas agora eu tenho de ir.
– Certo Ricardo. Puxa foi um prazer te ver. Por favor não fale nada para ele se você o ver, eu...eu vou me decidir se ligo ou não para ele.
– Está bem, mas me dá teu endereço, eu tenho umas coisas do Shaolin para te dar.
– O quê?
– Uns poemas que ele escreveu para você.
A curiosidade fez Socorro anotar seu endereço para o amigo que se mostrou muito a vontade com ela, não se sentiu constrangido nem demasiadamente piedoso com sua situação, pela contrário, foi a primeira vez nesses anos que ela se sentiu lisonjeada, vendo o amigo incentivando a procurar o antigo namorado.
Em casa Socorro ficou pensativa sobre o que o amigo Ricardo lhe falava sobre as Universidade Públicas, o Brasil em 2008 estava em crise, o desemprego em níveis altíssimos, a criminalidade cada vez pior, mas para ela esses assuntos não mais interessavam, perdera muito da alegria de viver depois do acidente. Logo quando ficou certo que ela não poderia mais andar, Socorro se revoltou com a vida, não queria ver ninguém e fez a família toda jurar que diriam a todos que ela morrera, não agüentava ser vista por suas amigas. Com o tempo foi preciso sua família se mudar para que ela se sentisse melhor, já que estava se recusando a fazer a fisioterapia, porque sempre tinha de se expor quando ia para a clínica, o risco de ter os membros inferiores atrofiados forçou a sua família a fazer a mudança. Realmente os primeiros anos convivendo com paralisia a tornaram insuportável, mas agora ela sentia uma enorme motivação para falar com seu antigo namorado do Colégio.
Algumas semanas depois João Ricardo apareceu na casa da Socorro para lhe entregar os poemas que Shaolin escrevera para ela, antes de ir Ricardo incentivou-a a ligar para ele, ela apenas garantiu que pensaria essa possibilidade com grande interesse.
Os poemas eram maravilhosos e apaixonados, ela chorou de tanta emoção com alguns, se sentiu bem em saber que fora amada tão intensamente por um rapaz, após lê-los se viu mais ainda estimulada a ligar e pelo menos lhe pedir desculpas ou agradecer, não agüentou mais que dois dias.
– Alô!
– Shaolin, é a Socorro, tudo bem!
– So-Socorro, puxa, eu não acredito!
– Como vai você?
O timbre da voz rouca e sensual mais uma vez o emocionou.
– Eu estou bem, melhor agora!
– Eu queria pedir desculpas e lhe agradecer.
– Eu é que tenho de me desculpar por aquelas bobagens que eu ti disse no tempo do Colégio.
– Você já se desculpou e eu já desculpei de todo coração.
– Obrigado, sinto-me feliz por saber disso.
– Encontrei com o teu amigo Ricardo, ele me deu os poemas que você escreveu para mim, são lindos! Obrigada!
– Eu quero que você saiba que eles são verdadeiros...
– Eu sei, eu sei!
– Onde você viu o Ricardo?
– No Pátio D. Luís.
– Pátio D. Luís?!
– Na Avenida D.Luís, nunca ouviu falar?
– Não. Mas me diga, como está você?
– Estou bem, apesar das muitas mudanças que sofri.
– Que mudanças?
– Em outra ocasião eu te falo. Mas e você, o que o incrível Shaolin apronta agora? Eu espero que você continue com aquele seu corpão.
– Meus amigos se admiram por eu não ter ganho barriga, nem alterado tanto meu corpo, creio que consegui manter a forma por causa do meu hábito de andar de bicicleta, mas fiquei um pouco calvo.
– E o Karatê você ainda pratica?
– Kung Fu!
– Não é a mesma coisa?
– Não, o Kung Fu é mais místico e filosófico, enquanto o Karatê se assemelha mais a um esporte.
– Ah!
– Mas não, não treino mais, o que ainda faço é uns exercícios de alongamento e de respiração. Você não sabe as vantagens de você ter um ritmo de respiração.
– É mesmo!?
– Só para você ter um idéia, basta você observar aqueles lutadores de boxe, não parece estranho que esses lutadores passem horas treinando e com dois minutos de luta já estejam exaustos?
– De fato!
– Isso ocorre porque durante a luta eles não respiram com ritmo como fazem quando estão treinando.
– Interessante!
– Posso um dia te ensinar.
– Eu adoraria.
– Puxa, tua voz continua a mesma, por telefone ela fica mais ainda sensual!
– Você acha minha voz sensual?
– Demais!
– Eu sempre detestei minha voz por não conseguir cantar, mas sabendo que ela é sensual até que me conformo. E em relação a trabalho o que você faz?
– Dou aulas de grego antigo e mitologia em Faculdades de Teologia, e sou tradutor e revisor do Instituto Bíblico CETA.
– Incrível!
– Incrível é estar falando com você, pensei que nunca mais te veria. Disseram que você tinha morrido.
– Mas não morri.
– Ainda bem. Socorro me dá teu telefone.
– Não, é melhor não.
– Mas não é justo, você tem o meu.
– Está bem, mas me ligue sempre as 19:00 horas.
– Ok!
Depois de dar o número a Socorro disse que tinha de desligar. Quando largou o telefone, Shaolin deu uns três pulos de alegria testemunhados apenas por seu peixinho Bruce Lee.


Para 1996
Shaolin estava eufórico o ato da Socorro lhe dá o telefone sinalizava que ela abrira uma porta valiosa para que ele entrasse em sua vida, as coisas não podiam estar melhores. O Instituto CETA (Centro de Ensino Theolóigico Anabatista) que ele fundara com seu amigo Roberto começava a ser reconhecido nos meios eclesiásticos. No instituto Shaolin trabalhava como tradutor e revisor das traduções interlineares do Novo Testamento Grego, sua perícia já tinha detectado vários erros nas traduções do Novo Testamento até então aceitas como impecáveis; a nova tradução que elaboravam, chamada “Anabatista”, será com certeza a tradução mais fiel aos textos originais. Assim, tudo estava ótimo e com boas expectativas, até que ele resolveu ligar para a Socorro:
– Alô!
– Oi, Socorro, como está?
– Quem está falando?
– Sou eu, o Shaolin!
– Como você descobriu meu número telefônico?
– Bem, você que me deu, esqueceu?
– Eu não lhe dei meu telefone, quem lhe deu?
– Socorro, eu não estou entendendo, antes de ontem nós conversamos e você...
– Eu não conversei com você antes de ontem!
– Socorro...
“Meu Deus, o que está havendo?” Pensou Shaolin desesperado.
– Você quer lançar em rosto, não é?
– O quê querida?
– O fato de ter descoberto o meu acidente.
– O automobilístico?
– Não, o de pára-quedas!!
O tom satírico o deixou arrasado, ela parecia outra pessoa.
– Sinceramente Socorro, eu não estou entendendo.
– Eu menos! Por favor não ligue mais para mim. Esqueça-me por favor!
Shaolin colocou o fone no gancho lentamente com uma expressão de dor no rosto. O que teria havido? Por que a Socorro o tratou como se não tivesse conversado com ele anteriormente? Esses questionamentos ficaram martelando em sua cabeça até que no dia seguinte seu telefone chamou:
– Alô!
– Oi Shaolin, como vai?
– Bem, eu... eu vou bem. Só queria saber o que está havendo com você.
– Comigo? Nada!
– Mas ontem você me tratou tão mal, disse que eu tinha descoberto seu acidente, que não queria que eu ligasse mais...o que eu fiz querida?
– Mas Shaolin, ontem nós não conversamos, eu já disse isso a você uma vez e me arrependi, você tem sido tão especial para mim, tem me dado tanta alegria, eu jamais pediria para que nós não mais se falássemos.
O tom doce melancólico com que a Socorro lhe falou o desmoronou e fez esquecer o incidente do dia anterior num segundo.
– Você também tem sido muito especial para mim nesses dias, encheu-me de esperanças e alegria...Socorro, eu te amo...
– Eu sei...
Não era aquela resposta que Shaolin queria ouvir, mas também não era a que a Socorro queria dar, ela apenas não queria decepcioná-lo ou se frustrar por causa de sua paralisia.
– Eu preciso desligar agora Shaolin. Depois eu te ligo.
– Amanhã eu ligo para você.
– Ok!
Os dias agora tinham um alvo certo, está em casa a noite para conversar com a Socorro, ao chegar em casa, no dia seguinte ele tomou um rápido banho e logo correu ao telefone.
– Alô!
– Alô!
– Tudo bem, Socorro?
– Eu já disse para você não ligar mais para mim, será que terei de mudar o número como fiz com a minha outra casa?
– O que está havendo Socorro? Você está agindo de uma forma muito estranha, ontem nós conversamos e tudo parecia tão bem.
– Shaolin, pare com isso! Você sabia que eu fiquei paralítica depois do acidente? Que eu não sou mais uma mulher que vale a pena!
– Você está paralítica? Eu...eu não sabia.
– E em parte a culpa é sua, se você não tivesse me ligado dizendo que eu sofreria um acidente de carro, eu com certeza teria morrido e não estaria nessa vida. Você estragou minha vida! Esqueça-me!!
Socorro mais uma vez encerrou a ligação batendo o telefone.
“Paralítica?!” As coisas não faziam sentido para Shaolin. De imediato ele pegou o telefone e começou a discar o número da Socorro, aquilo necessitava de um esclarecimento:
– O que você quer?!


Em 2010
O sentimento de amor começava a brotar no coração dessa mulher de 41 anos, mas ao mesmo tempo aumentava o medo de ter de contar ao Shaolin que agora ela não mais podia andar. Eram dois sentimentos fortes que cresciam proporcionalmente, o amor e o medo.
Num momento ela pensava:
“Ah, meu Deus, eu preciso contar logo para o Shaolin!”
Noutro:
“Eu o amo tanto, e é um amor tão mágico, que vem do passado e desabrocha no presente com uma força tão grande. Ah, como eu o amo!!”
E assim ficavam seus pensamentos, indo para o amor crescente e o medo que crescia igual:
“Eu não posso. Eu sou paralítica. Eu estragaria a vida dele. Não posso mais ligar. Não devia ter dado meu telefone! Tenho que contar para ele, tenho!”
Foi em meio a esses pensamentos que ela começou a fazer a ligação para o Shaolin, mas de repente Socorro se pega com os dois sentimentos se esvaindo. Ele começou a pensar que não mais precisava contar-lhe nada sobre sua paralisia, quando discou o último número começou a sentir uma forte repulsa pelo Shaolin, quando ia tirar o telefone do ouvido, já o odiando, ela ouviu a si mesma:
– O que você quer?!


1996, 2002 e 2010
– Esclarecer as coisas Socorro.
– Não ligue mais para mim!
– Socorro você disse ontem que jamais pediria para que nos deixássemos de se falar e agora diz isso, e que história é essa que você está paralítica?
– Shaolin minha vida não tá legal, eu não quero conversar com você, deixe-me em paz.
– Socorro, escute-me, eu sei como você se sente, mas acredite você superará essa fase.
– Quem é você? Ele deu o telefone para você?
– Não, não dei querida. É...é uma linha cruzada.
– Shaolin, não ligue mais para mim, deixe que eu ligo para você meu amor, desligue o telefone.
– Socorro! Como...! como...
– Desligue querido...
Alguma coisa dizia que o melhor era desligar, e foi o que o Shaolin fez. Agora a Socorro estava consigo mesma no telefone. Uma Socorro do ano de 2010 e outra de 1996, quatorze anos separando a mesma pessoa, a conversa não foi difícil já que geralmente não conhecemos nossa própria voz vinda externamente. A dificuldade era mais em saber o que dizer, o que você diria a você se tivesse a oportunidade de falar consigo mesmo duma forma tão incomum como essa?
– Socorro o Shaolin te ama muito e você já gostou muito dele, você não deve agir assim com ele, não devemos tratar mal quem nos ama. Sei que sua paralisia foi um golpe terrível em sua vida e ainda deve demorar um pouco até que você aceite tudo o que isso lhe acarretará, mas a vida continua, e o melhor é a gente se conformar. Acredite-me você ainda vai ri muito e será muito feliz.
– Obrigada!
– Eu...eu é que agradeço querida, eu é que agradeço. As lágrimas banharam ao “mesmo tempo” o rosto das duas Socorro. Lágrimas de alívio, de conforto, de linda emoção sentida por uma mesma pessoa em dois tempos.


SEIS ANOS EM UM SEGUNDO
O Telefone de Shaolin só deu um toque, tamanha foi sua pressa de atendê-lo:
– O que está acontecendo, Socorro?
– Shaolin, você esteve conversando comigo em 1996!
– Annn...!?
– Sim de alguma forma estivemos conversando em tempos diferentes.
– Meu Deus! Agora estou entendendo porque nossos encontros não davam certo!
– Eu também estou achando incrível, quando ouvi você conversando comigo e ao mesmo tempo me vi lembrando da conversa, percebi que estava no futuro, ouvindo uma conversa que tive com você em 1996 e que estava afetando meu presente, mudando meus sentimentos.
– 1996?! Em que ano você está agora?
– 2010!
– Mas como conversei com você em 1996 se você está em 2010? Você está no passado ou no futuro?
– Espere, em que ano você está, Shaolin?
– 2002!
– Você está no passado! Eu estou em 2010. Continuamos a nos falar em tempos diferentes!!
Um silêncio tomou os dois. Rompido depois de uns dois minutos de reflexão pela voz preocupada de Shaolin:
– Mas...Mas como eu me encontrarei com você querida?
Se para Shaolin o encontro com ela era mais importante que as prováveis explicações de como aquilo estava acontecendo, Socorro não teve dúvida:
– Venha em minha casa agora! Moro na Rua Wilsom Marques Gondin, n° 16, no Montese. São exatamente 19:35 de 23 de Dezembro de 2010.
Shaolin ouviu pelo telefone o som da campainha tocando, e então ouviu sua voz no telefone:
– Diz um número!
Era a brincadeira característica do Shaolin, ele perguntava um número a alguém e depois que a pessoa dizia, ele falava outro número imediatamente superior ao da pessoa e declarava triunfante: “Ganhei, o meu número é maior!”
– Um superior ao que você vai dizer, de tal forma que eu não possa perder! – Foi a resposta dele para o futuro.
– Nós nunca perdemos, cara!
– Graças a Deus!
Risos.
– Deixa eu beijar quem você tanto deseja.
– Vá em frente. Eu espero minha vez.
– Você esperará. Tenho certeza.
Enquanto Shaolin abraçava carinhosamente sua amada em 2010, Shaolin em 2002 pensava como aquilo era incrível: seu telefone era um tipo de máquina do tempo que recebia telefonemas do futuro, com ele poderia ficar rico, mas de repente ouviu pelo fone uma voz com um carregado sotaque hebraico: “Com o suor do teu rosto trabalharás!”. E nunca mais seu telefone conseguiu receber ligações do futuro. Do futuro!











APÊNDICE
Não seria fácil esperar oito anos se passar até chegar a data em que Shaolin deveria se encontrar com a Socorro, era uma situação delicada, qualquer ação feita agora poderia alterar o futuro em que ele se encontraria com sua amada. Ligar para o número da Socorro nem pensar, com certeza a ligação iria para 1996, e as possíveis alterações seriam imprevisíveis, restava apenas procurar agora a Socorro em 2002, com o endereço dado pela Socorro de 2010, não haveria dificuldade, o problema era desencaminhar aquele futuro certo em que estaria com ela, e ela o amando, graças aos poemas que o Ricardo a entregaria em 2010, que era o mais valioso. Como a Socorro reagiria se o visse, será que a Socorro de 2010 alterou os sentimentos da Socorro de 1996 em relação a ele quando ficou conversando consigo mesma? E além disso, ela agora era uma deficiente física, não iria ser fácil o encontro. Eram questionamentos cruciais antes de qualquer ação de sua parte.
Mas Shaolin estava agora com mais de trinta anos, era um homem maduro e experiente, tinha lidado com platéias, com alunos, professores, universitários, ateus e com pessoas em crise: marginais, viciados e até assassinos, e com todos tinha se saído bem, porque conhecia teologia, filosofia e mitologia, e as sabia usar bem, tinha ajudado muitas pessoas e por isso não precisava temer se encontrar com sua ex-namorada paralítica e nem tão pouco recear do futuro. E assim, foi a casa dela.
Ele resolveu não falar nada sobre o seu telefone máquina do tempo, decidiu dizer que a moça com quem ela conversara em 96 era sua irmã que, a par da situação, combinou com ele participar daquela conversa pela extensão, afim de tentar ajudar.
Depois de muita conversa ficou certo que ela não queria nada com ele, que o melhor era cada um cuidar da sua vida.
Quando se despedia da Socorro, Shaolin teve um último impulso:
– Socorro, você poderia deixar eu fazer uma ligação no seu telefone?
– Hum-rum!
Ele discou seu número:
– Alô!
– Eu gostaria de falar com o Sr. Luiz, por favor!
– Meu irmão não está.
– É...eu sou um amigo do seu irmão...e...seria possível você me dar uma informação?
– Pois não!
– Em que ano seu irmão terminou o 2° Grau?
– Ele ainda não terminou.
Então o telefonema foi para antes de tudo, no final dos anos oitenta!
– Não nê? Pois você me faria um favor?
– Se eu puder...
– Convença a seu irmão a nunca resolver problemas por telefone.
– O que ele fez?
– Não, nada, apenas o convença disso, acho que você concorda que pelo telefone não decidimos nossas vidas.
– De fato!
– Valeu cara!
Ao baixar o telefone, Shaolin viu tudo começar a desaparecer diante de seus olhos, repentinamente ele estava em sua nova casa em 1997 e lá encontrou uma agenda escolar e nas primeiras páginas observou anotado o nome completo de sua antiga namorada, com aquele nome ele poderia encontrar o número telefônico dela, mas ele resolveu não ligar, tinha aprendido que nada se deve resolver por telefone, um dia talvez eles pudessem se encontrar para conversar.
No ano de 2002, Shaolin teve uma boa oportunidade de ir a casa da Socorro, aproveitou para lhe dar pessoalmente alguns poemas que tinha escrito, não os mais brilhantes e capazes de despertar o amor até entre Judeus e Árabes, mas apenas os mais essenciais e outros que naqueles dias tinha escrito.
Como ele tinha imaginado, quando naquele tempo alternativo pediu para seu irmão o convencer a não resolver seus problemas por telefone, o primeiro telefonema para passado nunca existiu, e por isso agora Socorro estava bem, nunca sofrera acidente algum de automóvel. Atualmente os dois são bons amigos, e vez por outra trocam e-mails pelo computador. Só esperamos que eles não enviem nenhum para o futuro.

Luiz Sousa